sábado, 20 de março de 2010

Semana "MIGUEL TORGA" (VI )


Miguel Torga nasceu em 12 de Agosto de 1907 em S. Martinho da Anta, concelho de Sabrosa, Trás-os-Montes e faleceu em 17 de Agosto de 1995. De seu verdadeiro nome, chamava-se Adolfo Correia da Rocha. Frequentou apenas por um ano, o seminário em Lamego. Em 1920 partiu para o Brasil, onde foi recebido na fazenda de um tio, com quem regressou depois a Portugal e que se prontificou a custear-lhe os estudos em Coimbra. Em apenas três anos fez o curso do liceu. Matriculou-se na Faculdade de Medicina, onde terminou o curso em 1933.
 Como médico, teve uma breve estadia no Porto, ainda exerceu a profissão na terra natal, passou por Miranda do Corvo, mas foi em Coimbra que estabeleceu consultório, no Largo da Portagem desta cidade onde viveu a maior parte da sua vida.
Em 1936 adoptou o pseudónimo de Miguel Torga que o havia de imortalizar. Simbolicamente, “torga” é o nome de uma urze campestre com raízes muito duras infiltradas por entre as rochas, sendo muito amarga e difícil de arrancar.
Escreveu uma obra vasta e marcante, em poesia, prosa e teatro que foi publicada em edição completa pelas Publicações D. Quixote em 2000 e reeditada por “Planeta de Agostini”em 2003.
Com ideias que se demarcavam do salazarismo, foi preso e pensou em sair do país, mas não o fez por se sentir profundamente ligado à pátria, longe da qual seria um "cadáver a respirar". A sua poesia reflecte as apreensões, esperanças e angústias do seu tempo. Nos volumes do seu Diário, em prosa e em verso, encontramos crítica social, apontamentos de paisagem, esboço de contos, apreciações culturais e também magníficos textos da mais alta poesia. Considerado um dos maiores poetas contemporâneos, Miguel Torga editou os seus próprios livros, a suas expensas, durante muitos anos.




Afonso de Albuquerque     

Quando esta escrevo a Vossa Alteza
Estou com um soluço que é sinal de morte. 
Morro à vista de Goa, a fortaleza     
Que deixo à índia a defender-lhe a sorte.    

Morro de mal com todos que servi,  
Porque eu servi o rei e o povo todo. 
Morro quase sem mancha, que não vi
Alma sem mancha à tona deste lodo.           
De Oeste a Leste a índia fica vossa; 
De Oeste a Leste o vento da traição 
Sopra com força para que não possa 
O rei de Portugal tê-la na mão.         

Em Deus e em mim o império tem raízes     
Que nem um furacão pode arrancar...          
Em Deus e em mim, que temos cicatrizes    
Da mesma lança que nos fez lutar.   

Em mais alguém, Senhor, em mais ninguém
O meu sonho cresceu e avassalou     
A semente daninha que de além       
A tua mão, Senhor, lhe semeou.       

Por isso a índia há de acabar em fumo         
Nesses doiros paços de Lisboa;        
Por isso a pátria há de perder o rumo           
Das muralhas de Goa.           
Por isso o Nilo há de correr no Egipto         
E Meca há de guardar o muçulmano
Corpo dum moiro que gerou meu grito        
De cristão lusitano.    

Por isso melhor é que chegue a hora 
E outra vida comece neste fim...      
Do que fiz não cuido agora:                                                                          
A índia inteira falará por mim.          





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