segunda-feira, 8 de março de 2010

Semana "JOSÉ RÉGIO" ( I )


José Régio, (1901 – 1969), pseudónimo de José Maria dos Reis Pereira, natural de Vila do Conde. Como escritor, José Régio dedicou-se ao romance, ao teatro, à poesia e ao ensaio.
Centrais, na sua obra, são as problemáticas do conflito entre Deus e o Homem, o indivíduo e a sociedade, numa análise crítica das relações humanas e da solidão. Estreou-se, em 1926, com o volume de poesia Poemas de Deus e do Diabo, a que se seguiram Biografia (1929, poesia), Jogo da Cabra-Cega (1934, primeiro romance), As Encruzilhadas de Deus (1936, livro de poesia e tido como a sua obra-prima).
Com Branquinho da Fonseca e João Gaspar Simões fundou, em 1927, a revista Presença que marcou o segundo modernismo português e de que Régio foi o principal impulsionador e ideólogo. Para além da sua colaboração assídua nesta revista, deixou também textos dispersos por publicações como a Seara Nova, Ler, O Comércio do Porto e o Diário de Notícias. No mesmo ano iniciou a sua vida profissional como professor de liceu, primeiro no Porto (apenas alguns meses) e, a partir de 1928, em Portalegre, onde permaneceu mais de trinta anos. Só em 1967 regressou a Vila do Conde, onde morreu dois anos mais tarde.
Participou activamente na vida pública, fazendo parte da comissão concelhia de Vila do Conde do Movimento de Unidade Democrática (MUD), apoiando o general Nórton de Matos na sua candidatura à Presidência da República e, mais tarde, a candidatura do general Humberto Delgado. Integrou ainda a Comissão Eleitoral de Unidade Democrática (CEUD), nas eleições de 1969.

Cântico Negro

"Vem por aqui" - dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...

A minha glória é esta:
Criar desumanidade!
Não acompanhar ninguém.
- Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe

Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos... 


........................................................


Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém.
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.

Ah, que ninguém me dê piedosas intenções!
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou.
É uma onda que se alevantou.
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
- Sei que não vou por aí!
(Algumas estrofes)


1 comentário:

siripipi alentejano disse...

É com saudades que recordo o Dr. Reis Pereira, era eu menino e moço, frequentava o Liceu de Portalegre e foi no 3º, 4 e 5º ano meu professor de Francês. Nessa época, finais dos anos e 50, já José Régio era uma figura impar na nossa cultura. Lembro-me de que numa festa do LIceu (final de ano lectivo) e sem que ele soubesse declamei o Cântico Negro, ao estilo de João Vilaret, ele veio ter comigo para me felicitar.
Ao longo dos anos é uma imagem que perdura, nesse tempo todos nós tinhamos um enormissimo respeito pelos nossos Professores,(seria bom que hoje também assim fosse!) a maioria frequentava o Café Alentejo e o Café Central e quando ali estavam nós respeitavamos a sua privacidade.
Eram outros tempos. José Régio é ainda hoje um dos maiores poetas da nossa Literatura e foi igualmente um extraordinário coleccionador de antiguidades e de arte sacra.
siripipi-alentejano