domingo, 28 de novembro de 2010
Vida
Vida:
sensualíssima mulher de carnes maravilhosas
cujos passos são horas
cadenciadas
rítmicas
fatais.
A cada movimento do teu corpo
dispersam asas de desejos
que me roçam a pele
e encrespam os nervos na alucinação do «nunca mais».
Vou seguindo teus passos
lutando e sofrendo
cantando e chorando
e ficam abertos meus braços:
nunca te alcanço!
Meu suplício de Tântalo.
Envelheço...
E tu, Vida, cada vez mais viçosa
na oscilação nervosa
das tuas ancas fecundas e sempre virgens!
À punhalada dilacero a folhagem
e abro clareiras
na floresta milenária do meu caminho.
Humildemente se rasga e avilta
no roçar dos espinhos
minha carne dorida.
E quando julgo chegada a hora
meu abraço de posse fica escancarado no ar!
Olímpica
firme
gloriosa
tu passas e não te alcanço, Vida.
Caio suado de borco
no lodo...
O vento da noite badala nos ramos
sarcasmos canalhas.
Não avisto a vida!
Tenho medo, grito.
Creio em Deus e nos fantásticos ecos
do meu grito
que vêm de longe e de perto
do sul e do norte
que me envolvem
e esmagam:
— maldita selva, maldita selva,
antes o deserto, a sede e a morte!
Manuel da Fonseca, in "Rosa dos Ventos"
quinta-feira, 25 de novembro de 2010
Regresso
E contudo perdendo-te encontraste. E nem deuses nem monstros nem tiranos te puderam deter. A mim os oceanos. E foste. E aproximaste. Antes de ti o mar era mistério. Tu mostraste que o mar era só mar. Maior do que qualquer império foi a aventura de partir e de chegar. Mas já no mar quem fomos é estrangeiro e já em Portugal estrangeiros somos. Se em cada um de nós há ainda um marinheiro vamos achar em Portugal quem nunca fomos. De Calicute até Lisboa sobre o sal e o Tempo. Porque é tempo de voltar e de voltando achar em Portugal esse país que se perdeu de mar em mar.
Manuel Alegre
segunda-feira, 22 de novembro de 2010
Ruy Cinatti
1. Praia presa... Praia presa, adiantada no mar, no longe, no círculo de coral que o mar represa. Praia futura invocada. Timor ressurge das águas, praia futura invocada.
2. De monte a monta... De monte a monta, o meu grito soa, soa, como voz de um eco do infinito ecoando em todos nós. Timor cresce como um grito ecoando em todos nós.
3. Perdi meu pai... Perdi meu pai, minha mãe. Estou só, ninguém me escuta, senão quando querem dar os restos que ninguém quer. Pobre de pobre, só tenho os restos que ninguém quer.
4. Entrei pelo mar... Entrei pelo mar mulher açudado, a colher algas Esqueci-me do meu mister embalado pelas ondas. O mar homem não se esquece embalado pelas ondas.
5. Agarrei no ar... Agarrei no ar um véu esmaecido de azul, igual ao azul do céu iluminado pela lua. Eu passo a vida a sonhar iluminado pela lua.
Ruy Cinatti nasceu em Londres, em 1915 e faleceu em 1986.
Em criança veio para Lisboa onde se formou em Agronomia. Foi meteorologista, secretário do governador de Timor, onde viveu durante alguns anos após a II Guerra Mundial, e chefe dos Serviços Agronómicos de Timor e investigador da Junta de Investigação do Ultramar. Estudou na Universidade de Oxford onde se doutorou, em 1961, em Antropologia Social e Etnografia.
Foi co-fundador em 1940 de "Os Cadernos de Poesia" e em 1942 da revista "Aventura". Recebeu o Prémio Antero de Quental em 1958, pela obra "O Livro do Nómada Meu Amigo", o Prémio Nacional de Poesia, em 1968, pela obra "Sete Septetos" e o Prémio Camilo Pessanha, em 1971,com "Uma Sequência Timorense".
sexta-feira, 19 de novembro de 2010
Tenho uma Saudade tão Braba
Tenho uma saudade tão braba
Da ilha onde já não moro,
Que em velho só bebo a baba
Do pouco pranto que choro.
Os meus parentes, com dó,
Bem que me querem levar,
Mas talvez que nem meu pó
Mereça a Deus lá ficar.
Enfim, só Nosso Senhor
Há-de decidir se posso
Morrer lá com esta dor,
A meio de um Padre Nosso.
Quando se diz «Seja feita»
Eu sentirei na garganta
A mão da Morte, direita
A este peito, que ainda canta.
Vitorino Nemésio, in "Caderno de Caligraphia e outros Poemas a Marga"
Vitorino Nemésio Mendes Pinheiro da Silva nasceu nos Açores (Ilha terceira) em 1901.
Em 1922 concluiu o liceu em Coimbra, ingressou na Faculdade de Direito. Em 1924 abandonou o curso de Direito e matriculou se na Faculdade de Letras, em Ciências Histórico-Geográficas. Em 1925 optou definitivamente pelo curso de Filologia Românica e foi nesse ano que surgiu o jornal "Humanidade" (quinzenário de Estudantes de Coimbra), tendo sido Nemésio o seu redactor principal. Nesse jornal colaboraram, entre outros, José Régio, João Gaspar Simões e António de Sousa. Em 1926, fundou e dirigiu com Paulo Quintela, Cal Brandão e Sílvio Lima, o jornal "Gente Nova" (jornal republicano académico) e a partir de 1928 passou a colaborar na revista "Seara Nova".
Foi um dos mais distintos e consagrados professores universitários do seu tempo, primeiro em Coimbra e depois em Lisboa. Como grande comunicador teve notáveis intervenções na rádio e na TV. Deixou uma extensa obra, do mais alto valor, como poeta, romancista e ensaísta. Colaborou em muitos jornais e revistas, tendo, desde a sua juventude, fundado várias publicações literárias. Entre outras línguas, as suas obras foram traduzidas em italiano, francês, inglês e alemão,.
Foi um dos mais distintos e consagrados professores universitários do seu tempo, primeiro em Coimbra e depois em Lisboa. Como grande comunicador teve notáveis intervenções na rádio e na TV. Deixou uma extensa obra, do mais alto valor, como poeta, romancista e ensaísta. Colaborou em muitos jornais e revistas, tendo, desde a sua juventude, fundado várias publicações literárias. Entre outras línguas, as suas obras foram traduzidas em italiano, francês, inglês e alemão,.
Vitorino Nemésio faleceu em Lisboa, em 1978, e foi sepultado em Coimbra.
terça-feira, 16 de novembro de 2010
Um Fado: Palavras Minhas
Palavras que disseste e já não dizes,
palavras como um sol que me queimava,
olhos loucos de um vento que soprava
em olhos que eram meus, e mais felizes.
Palavras que disseste e que diziam
segredos que eram lentas madrugadas,
promessas imperfeitas, murmuradas
enquanto os nossos beijos permitiam.
Palavras que dizias, sem sentido,
sem as quereres, mas só porque eram elas
que traziam a calma das estrelas
à noite que assomava ao meu ouvido...
Palavras que não dizes, nem são tuas,
que morreram, que em ti já não existem
— que são minhas, só minhas, pois persistem
na memória que arrasto pelas ruas.
Pedro Tamen, in “Tábua das Matérias”
Pedro Tamen nasceu em Lisboa, em 1934. Estudou Direito na Universidade de Lisboa. Foi director da Editora Moraes e depois, administrador da Fundação Calouste Gulbenkian. Foi também dirigente cine-clubista, professor do ensino secundário e director-adjunto de uma revista de actualidades. Fez crítica literária no semanário Expresso. Foi presidente do P.E.N. Clube Português . Foi membro da Direcção e presidente da Assembleia Geral da Associação Portuguesa de Escritores. Tem poemas traduzidos e publicados em francês, inglês, espanhol, italiano, alemão, neerlandês, sueco, húngaro, romeno, checo, eslovaco, búlgaro e letão.
Desenvolveu uma intensa actividade de tradutor literário. Obteve em 1990 o Grande Prémio da Tradução. Traduziu recentemente À la Recherche du temps perdu, de Marcel Proust.
A sua obra poética, iniciada em 1956 com Poema para Todos os Dias, encontra-se reunida em Retábulo das Matérias (Gótica, Lisboa, 2001). Posteriormente, em 2006, publicou um novo livro Analogia e Dedos e, em 2010, O Livro do Sapateiro. Foi muito premiado como poeta.
Desenvolveu uma intensa actividade de tradutor literário. Obteve em 1990 o Grande Prémio da Tradução. Traduziu recentemente À la Recherche du temps perdu, de Marcel Proust.
A sua obra poética, iniciada em 1956 com Poema para Todos os Dias, encontra-se reunida em Retábulo das Matérias (Gótica, Lisboa, 2001). Posteriormente, em 2006, publicou um novo livro Analogia e Dedos e, em 2010, O Livro do Sapateiro. Foi muito premiado como poeta.
sábado, 13 de novembro de 2010
DESCOBRINDO ... Fernado Pessoa (1888 - 1935)
Hoje de manhã saí muito cedo
Hoje de manhã saí muito cedo,
Por ter acordado ainda mais cedo
E não ter nada que quisesse fazer...
Não sabia que caminho tomar
Mas o vento soprava forte, varria para um lado,
E segui o caminho para onde o vento me soprava nas costas.
Assim tem sido sempre a minha vida, e
Assim quero que possa ser sempre --
Vou onde o vento me leva e não me
Sinto pensar.
Alberto Caeiro
Pessoa criou uma biografia para Caeiro que se encaixa com perfeição na sua poesia, como podemos observar nos 49 poemas da série O Guardador de Rebanhos. Segundo Pessoa, foram escritos na noite de 8 de Março de 1914, de um só fôlego, sem interrupções. Esse processo criativo espontâneo traduz exactamente a busca fundamental de Alberto Caeiro: Nasceu em em 1889, em Lisboa, e morreu em 1915, mas viveu quase toda a sua vida no campo. Não teve profissão, nem educação quase nenhuma: apenas a instrução primária. Era de estatura média e frágil, mas não o aparentava. Era louro e de olhos azuis. Ficou órfão de pai e mãe muito cedo e deixou-se ficar em casa a viver dos rendimentos. Vivia com uma velha tia-avó. Escrevia mal o português. Foi o pretenso mestre de Álvaro de Campos e de Ricardo Reis. Era anti-metafísico, menos culto e complicado do que R. Reis, mas mais alegre e franco.
“Eu não tenho filosofia: tenho sentidos...
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é.
Mas porque a amo, e amo-a por isso,
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem por que ama, nem o que é amar...”
terça-feira, 9 de novembro de 2010
DESCOBRINDO ... Camilo Pessanha (1867 - 1926)
Vida
Choveu! E logo da terra humosa
Irrompe o campo das liliáceas.
Foi bem fecunda, a estação pluviosa!
Que vigor no campo das liliáceas!
Calquem. Recalquem, não o afogam.
Deixem. Não calquem. Que tudo invadam.
Não as extinguem. Porque as degradam?
Para que as calcam? Não as afogam.
Olhem o fogo que anda na serra.
É a queimada... Que lumaréu!
Podem calcá-lo, deitar-lhe terra,
Que não apagam o lumaréu.
Deixem! Não calquem! Deixem arder.
Se aqui o pisam, rebenta além.
_ E se arde tudo? _ Isso que tem?
Deitam-lhe fogo, é para arder...
Camilo Pessanha, in 'Clepsidra'
Choveu! E logo da terra humosa
Irrompe o campo das liliáceas.
Foi bem fecunda, a estação pluviosa!
Que vigor no campo das liliáceas!
Calquem. Recalquem, não o afogam.
Deixem. Não calquem. Que tudo invadam.
Não as extinguem. Porque as degradam?
Para que as calcam? Não as afogam.
Olhem o fogo que anda na serra.
É a queimada... Que lumaréu!
Podem calcá-lo, deitar-lhe terra,
Que não apagam o lumaréu.
Deixem! Não calquem! Deixem arder.
Se aqui o pisam, rebenta além.
_ E se arde tudo? _ Isso que tem?
Deitam-lhe fogo, é para arder...
Camilo Pessanha, in 'Clepsidra'
Camilo Pessanha nasceu na cidade de Coimbra onde se formou em Direito. Foi para Macau onde exerceu a função de professor de Filosofia. Acometido de tuberculose, viciado em ópio, faleceu em Macau.
Foi, sem sombra de dúvidas, o maior e mais autêntico poeta simbolista português. Fortemente influenciado pela poesia do poeta francês Verlaine, a sua poesia influenciou vários poetas modernistas como, por exemplo, Fernando Pessoa. A sua poesia caracteriza-se pela musicalidade marcante e pela intensidade dramática. Os temas centrais dos seus poemas foram a ilusão, a dor, o pessimismo, o exílio e a desilusão em relação à Pátria distante, que estão muito presentes em "Clepsidra" considerada a sua obra mais importante.
sábado, 6 de novembro de 2010
VEM SENTAR-TE COMIGO LÍDIA
Vem sentar-te comigo Lídia, à beira do rio.
Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos
Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas.
(Enlacemos as mãos.)
Depois pensemos, crianças adultas, que a vida
Passa e não fica, nada deixa e nunca regressa,
Vai para um mar muito longe, para ao pé do Fado,
Mais longe que os deuses.
Desenlacemos as mãos, porque não vale a pena cansarmo-nos.
Quer gozemos, quer não gozemos, passamos como o rio.
Mais vale saber passar silenciosamente
E sem desassossegos grandes.
Sem amores, nem ódios, nem paixões que levantam a voz,
Nem invejas que dão movimento demais aos olhos,
Nem cuidados, porque se os tivesse o rio sempre correria,
E sempre iria ter ao mar.
Amemo-nos tranquilamente, pensando que podíamos,
Se quiséssemos, trocar beijos e abraços e carícias,
Mas que mais vale estarmos sentados ao pé um do outro
Ouvindo correr o rio e vendo-o.
Colhamos flores, pega tu nelas e deixa-as
No colo, e que o seu perfume suavize o momento -
Este momento em que sossegadamente não cremos em nada,
Pagãos inocentes da decadência.
Ao menos, se for sombra antes, lembrar-te-ás de mim depois
Sem que a minha lembrança te arda ou te fira ou te mova,
Porque nunca enlaçamos as mãos, nem nos beijamos
Nem fomos mais do que crianças.
E se antes do que eu levares o o bolo ao barqueiro sombrio,
Eu nada terei que sofrer ao lembrar-me de ti.
Ser-me-ás suave à memória lembrando-te assim - à beira-rio,
Pagã triste e com flores no regaço.
Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos
Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas.
(Enlacemos as mãos.)
Depois pensemos, crianças adultas, que a vida
Passa e não fica, nada deixa e nunca regressa,
Vai para um mar muito longe, para ao pé do Fado,
Mais longe que os deuses.
Desenlacemos as mãos, porque não vale a pena cansarmo-nos.
Quer gozemos, quer não gozemos, passamos como o rio.
Mais vale saber passar silenciosamente
E sem desassossegos grandes.
Sem amores, nem ódios, nem paixões que levantam a voz,
Nem invejas que dão movimento demais aos olhos,
Nem cuidados, porque se os tivesse o rio sempre correria,
E sempre iria ter ao mar.
Amemo-nos tranquilamente, pensando que podíamos,
Se quiséssemos, trocar beijos e abraços e carícias,
Mas que mais vale estarmos sentados ao pé um do outro
Ouvindo correr o rio e vendo-o.
Colhamos flores, pega tu nelas e deixa-as
No colo, e que o seu perfume suavize o momento -
Este momento em que sossegadamente não cremos em nada,
Pagãos inocentes da decadência.
Ao menos, se for sombra antes, lembrar-te-ás de mim depois
Sem que a minha lembrança te arda ou te fira ou te mova,
Porque nunca enlaçamos as mãos, nem nos beijamos
Nem fomos mais do que crianças.
E se antes do que eu levares o o bolo ao barqueiro sombrio,
Eu nada terei que sofrer ao lembrar-me de ti.
Ser-me-ás suave à memória lembrando-te assim - à beira-rio,
Pagã triste e com flores no regaço.
Ricardo Reis - Heterónimo de Fernando Pessoa
A filosofia de Ricardo Reis é a de um epicurista triste, pois defende o prazer como caminho para a felicidade. Apesar deste prazer que procura e a felicidade que deseja alcançar, considera que nunca se consegue a verdadeira calma e tranquilidade. Sente que tem de viver em conformidade com as leis do destino, indiferente à dor, numa verdadeira ilusão da felicidade.
terça-feira, 2 de novembro de 2010
AUTOPSICOGRAFIA
O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.
E assim nas calhas de roda
Gira a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.
E assim nas calhas de roda
Gira a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.
Fernando Pessoa (1888 - 1935) - Nasceu e morreu em Lisboa. Passou uma parte da infância e da adolescência em Durban, na África do Sul. De regresso a Lisboa frequentou o Curso Superior de Letras que abandonou antes de terminar o 1º ano.
A sua genialidade como poeta coloca-o, para alguns, ao nível de Camões. Talvez baste dizer que era tão grande a sua genialidade que, não cabendo num único poeta ele inventou várias distintas personalidades para, através delas criar diferentes expressões da sua poesia. Concebeu 27 heterónimos, dos quais se destacam os três principais: Alberto Caeiro; Álvaro de Campos; Ricardo Reis.
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