sábado, 22 de maio de 2010

Semana "MÁRIO CESARINY" (VII)


Mário Cezariny, pintor e poeta português, nasceu em Lisboa em 9 de Agosto de1923 e morreu na sua cidade natal em 26 de Novembro de 2006. A sua formação artística inclui o curso da Escola de Artes Decorativas António Arroio e estudos na área de música, com Fernando Lopes Graça.
Afastou-se muito cedo do movimento neo-realista dominante em Portugal. Viveu algum tempo em Paris, onde conheceu André Breton, em 1947. Atraído pelas propostas do movimento surrealista francês, ainda nesse ano, integrou o Grupo Surrealista de Lisboa tornando-se um dos mais importantes defensores do movimento em Portugal.
Cesariny, de personalidade inquieta e questionadora, adoptou uma atitude estética de constante experimentação. A atitude anárquica que adoptou marcou a sua obra e a sua vida.
A sua produção poética, por vezes pontuada de um corrosivo humor, foi também fortemente marcada pela assumida desconstrução que levou a cabo com as suas experiências na pintura. O sentido de contestação dos comportamentos considerados apropriados, a assumpção de atitudes consideradas inaceitáveis e marginais, a confrontação das regras instituídas ou considerados normais, animam intrinsecamente a sua poesia. Recorrendo a enumerações caóticas, utilizando situações sem sentido ou de humor negro, parodiando hábitos e regras de sociabilidade formal, brincando com trocadilhos e jogos verbais, portanto, recorrendo a processos tipicamente surrealistas, cria uma linguagem onde coloca em confronto o quotidiano modo de viver e o insólito de casos ou atitudes aparentemente descabidos. 


voz numa pedra

Não adoro o passado
não sou três vezes mestre
não combinei nada com as furnas
não é para isso que eu cá ando
decerto vi Osíris porém chamava-se ele nessa altura Luiz
decerto fui com Isis mas disse-lhe eu que me chamava João
nenhuma nenhuma palavra está completa
nem mesmo em alemão que as tem tão grandes
assim também eu nunca te direi o que sei
a não ser pelo arco em flecha negro e azul do vento

Não digo como o outro: sei que não sei nada
sei muito bem que soube sempre umas coisas
que isso pesa
que lanço os turbilhões e vejo o arco íris
acreditando ser ele o agente supremo
do coração do mundo
vaso de liberdade expurgada do menstruo
rosa viva diante dos nossos olhos
Ainda longe longe essa cidade futura
onde «a poesia não mais ritmará a acção
porque caminhará adiante dela»
Os pregadores de morte vão acabar?
Os segadores do amor vão acabar?
A tortura dos olhos vai acabar?
Passa-me então aquele canivete
porque há imenso que começar a podar
passa não me olhas como se olha um bruxo
detentor do milagre da verdade
a machadada e o propósito de não sacrificar-se não construirão ao sol coisa nenhuma
nada está escrito afinal


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