domingo, 24 de outubro de 2010

Soneto

Passou o Outono já, já torna o frio...
  - Outono de seu riso magoado.
Álgido Inverno! Oblíquo o sol, gelado...
 - O sol, e as águas límpidas do rio.

Águas claras do rio! Águas do rio,
Fugindo sob o meu olhar cansado,
Para onde me levais meu vão cuidado?
Aonde vais, meu coração vazio?

Ficai, cabelos dela, flutuando,
E, debaixo das águas fugidias, 
Os seus olhos abertos e cismando...

Onde ides a correr, melancolias?
  - E, refractadas, longamente ondeando,
As suas mãos translúcidas e frias...


Camilo Pessanha _ Nasceu em Lisboa em 1826. Concluiu o curso de Direito na Universidade de Coimbra em 1891. Em 1894 radicou-se em Macau, onde faleceu em 1926. Aí ensinou Filosofia no liceu local. Poeta do mais genuíno  simbolismo português, a sua poesia revela um intimismo extremo e uma profunda melancolia. Recorreu ao inebriamento do ópio, refugiando-se  na ligação afectiva da sua companheira chinesa. Os seus poemas são de uma grande perfeição formal. Escrevia para si próprio, nunca cuidando de divulgar a obra que foi construindo e que só foi organizada e publicada em 1969 em dois volumes organizados pela escritora Ana de Castro Osório, em dois volumes: "Clepsidra" e "Outros Poemas".

Sem comentários: