quarta-feira, 17 de outubro de 2012

CONSTELAÇÕES


 
As estrelas têm um filamento de sangue
agarrado ao corpo da Terra.
Capilaridade da memória.
A terra arranca do chão árvores e astros.
Pensa e ama.
Pensar é astralizar a luz física.
Amar é corromper as formas do dia.
Exilá-Ias de noite no céu.
As estrelas são o resto imperceptível
do sangue da terra. Ideias que vivem.
A matéria pensa. A Terra quando dorme
liberta cintilações celestes.
O homem por sua vez desprende sonhos.
A terra é o leito onde o homem doente
se deita. Sobem do seu corpo
lenços brancos.
Cada cadáver liberta a fIutuação
dum tenuíssimo pano de linho.
Deixemo-nos morrer. Recostados na terra
anoitecidos pela morte e pelo amor
sobe de nós a palpitação insensível
dum sol.
É por isso que as estrelas são na terra
o que de nós no ar se evola.
Animam-se de vida sensível
na mais pura abstracção das formas.
Ao ser a memória dum corpo
seremos no Universo a matéria estelar.
Fogos, luminosos, inconformes.



António Cândico Franco
Poesia Digital
7 poetas dos anos 80
Organização de Amadeu Baptista
e José-Emílio Nelson
Campo das Letras

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