sexta-feira, 13 de junho de 2008

O MENINO DE SUA MÃE

No plaino abandonado
Que a morna brisa aquece,
De balas trespassado
- Duas, de lado a lado –
Jaz morto e arrefece.

Raia-lhe a farda o sangue.
De braços estendidos,
Alvo, louro, exangue,
Fita com olhar langue
E cego os céus perdidos.

Tão jovem! Que jovem era!
(Agora que idade tem?)
Filho único, a mãe lhe dera
Um nome e o mantivera:
“O menino de sua mãe”.

Caiu-lhe da algibeira
A cigarreira breve.
Dera-lha a mãe. Está inteira
E boa a cigarreira.
Ele é que já não serve.

De outra algibeira, alada
Ponta a roçar o solo,
A brancura embainhada
De um lenço … Deu-lho a criada
Velha que o trouxe ao colo.

Lá longe, em casa, há a prece:
“Que volte cedo e bem!”
(Malhas que o Império tece!)
Jaz morto e apodrece,
O menino de sua mãe.

Fernando Pessoa, Cancioneiro.

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