sábado, 6 de abril de 2013

A suspensão do mundo

aqui por fora arde
e está seco:
é o reino do pó e do sol,
enquanto c
no interior do corpo
se ouve o correr do sangue,
o contínuo deslizar dos fluidos.

cá dentro faz sombra:
é como em casa
quando se chega,
e os refrescos florescem -
nos centros das mesas,
como as jarras garridas
nos quadros de matisse,
com as persianas
entreabertas para a rua.

mas aqui fora as pedras são rugosas,
- enquanto por dentro
a eternidade prossegue
sem asperezas.

os homens suam
com orgulho
de manipularem o mundo;
enquanto por dentro o corpo
é feminino, sente-se a si próprio
na sua intimidade receptiva.
é nesse jogo de contrastes
e complementaridades
que se tece o nosso dia-a-dia.

mas a beleza das pedras
está precisamente em serem
presenças mudas.
e a felicidade desta areia, o facto dela ser
tão intocada, que um simples passo
lhe deixa um rasto para a eternidade.

indecidibilidade do mundo,
suspensão do sentido
resistindo às pressas do corpo
e das perguntas insistentes.



Vítor Oliveira Jorge
A Suspensão do Mundo