Não há anos bons ou maus por natureza
Nem é por culpa de qualquer destino ou divindade que acontece
É por culpa total do desvario dos homens
É pela insensata, insaciável sanha de tudo ter e tudo poder
Que fazer no meio de tanta loucura?
Como remediar o que outros teimam em não querer entender?
Talvez nos tenhamos que limitar a desejar
A desejar, mesmo sabendo que não vai ser possível alcançar
Ainda farão sentido votos de paz, amor, prosperidade?
Direi apenas, por prudência, que vos desejo o melhor ano possível
quinta-feira, 30 de dezembro de 2010
segunda-feira, 27 de dezembro de 2010
Vou-me Embora pra Pasárgada
Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada
Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconseqüente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que eu nunca tive
E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-dágua
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada
Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcalóide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar
E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
— Lá sou amigo do rei —
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada
Manuel Bandeira nasceu na cidade de Recife em1884 e morreu na cidade de Rio de Janeiro em 1968. Cursou Arquitectura, na Escola Politécnica e Desenho de Ornato, no Liceu de Artes e Ofícios, entre 1903 e 1904, mas abandonou os estudos devido à tuberculose. Nos anos seguintes, passou longos períodos em sanatórios, no Brasil e na Europa. Voltando ao Brasil, passou a viver no Rio de Janeiro, onde publicou A Cinza das Horas, em 1917. Nas décadas seguintes, aliou à produção poética, à colaboração em periódicos como cronista e crítico literário e com a tradução de mais de 30 obras. Foi eleito membro da Academia Brasileira de Letras em 1940. Manuel Bandeira, cuja obra se vincula à primeira geração do modernismo, é um dos maiores poetas brasileiros. A sua poesia, marcada pela experiência trágica da tuberculose, trata da morte, do amor e do quotidiano, em versos livres nos quais se destacam o humor, a melancolia e, por vezes, a amargura diante da vida.
sexta-feira, 24 de dezembro de 2010
Desencanto
Eu faço versos como quem chora
De desalento... de desencanto...
Fecha o meu livro, se por agora
Não tens motivo nenhum de pranto.
Meu verso é sangue. Volúpia ardente...
Tristeza esparsa... remorso vão...
Dói-me nas veias. Amargo e quente,
Cai, gota a gota, do coração.
E nestes versos de angústia rouca
Assim dos lábios a vida corre,
Deixando um acre sabor na boca.
- Eu faço versos como quem morre.
De desalento... de desencanto...
Fecha o meu livro, se por agora
Não tens motivo nenhum de pranto.
Meu verso é sangue. Volúpia ardente...
Tristeza esparsa... remorso vão...
Dói-me nas veias. Amargo e quente,
Cai, gota a gota, do coração.
E nestes versos de angústia rouca
Assim dos lábios a vida corre,
Deixando um acre sabor na boca.
- Eu faço versos como quem morre.
Manuel Bandeira nasceu na cidade de Recife em1884 e morreu na cidade de Rio de Janeiro em 1968. Cursou Arquitectura, na Escola Politécnica e Desenho de Ornato, no Liceu de Artes e Ofícios, entre 1903 e 1904, mas abandonou os estudos devido à tuberculose. Nos anos seguintes, passou longos períodos em sanatórios, no Brasil e na Europa.
Voltando ao Brasil, passou a viver no Rio de Janeiro, onde publicou A Cinza das Horas, em 1917. Nas décadas seguintes, aliou à produção poética, à colaboração em periódicos como cronista e crítico literário e com a tradução de mais de 30 obras. Foi eleito membro da Academia Brasileira de Letras em 1940.
Manuel Bandeira, cuja obra se vincula à primeira geração do modernismo, é um dos maiores poetas brasileiros. A sua poesia, marcada pela experiência trágica da tuberculose, trata da morte, do amor e do quotidiano, em versos livres nos quais se destacam o humor, a melancolia e, por vezes, a amargura diante da vida.
terça-feira, 21 de dezembro de 2010
Da Violência
A violência que trazemos no sangue
ninguém a sabe e todos (casas
desmoronadas) a exaltam e todos
a descombinamos
gota a gota
em nossos movimentos de cinza
transitória — esta violência
residual
tem do corpo a secura a configuração
cavada no sono na fogueira sem cor
de cidades levantadas sobre a doença sobre
a simulação
de fogo suspenso
no arame dos ossos —
Casimiro de Brito, in "Negação da Morte"
ninguém a sabe e todos (casas
desmoronadas) a exaltam e todos
a descombinamos
gota a gota
em nossos movimentos de cinza
transitória — esta violência
residual
tem do corpo a secura a configuração
cavada no sono na fogueira sem cor
de cidades levantadas sobre a doença sobre
a simulação
de fogo suspenso
no arame dos ossos —
Casimiro de Brito, in "Negação da Morte"
Casimiro de Brito nasceu no Algarve, em 1938, onde estudou e viveu até 1968. Começou a publicar em 1957 (Poemas da Solidão Imperfeita) e, desde então, publicou mais de 40 títulos. Esteve ligado ao movimento "Poesia 61", um dos mais importantes da poesia portuguesa do século XX. Tem traduzido poesia de várias línguas, sobretudo do japonês e foi traduzido para galego, espanhol, catalão, italiano, francês, corso, inglês, alemão, flamengo, holandês, sueco, polaco, esloveno, servocroata, macedónio, grego, romeno, búlgaro, húngaro, albanês, russo, árabe, hebreu, chinês e japonês.
sábado, 18 de dezembro de 2010
Ó Noite, Coalhada nas Formas de um Corpo de Mulher
Ó noite, coalhada nas formas de um corpo de mulher
vago e belo e voluptuoso,
num bailado erótico, com o cenário dos astros, mudos
[e quedos.
Estrelas que as suas mãos afagam e a boca repele,
deixai que os caminhos da noite,
cegos e rectos como o destino,
suspensos como uma nuvem,
sejam os caminhos dos poetas
que lhes decoraram o nome.
Ó noite, coalhada nas formas de um corpo de mulher!
Esconde a vida no seio de uma estrela
e fá-la pairar, assim mágica e irreal,
para que a olhemos como uma lua sonâmbula.
Fernando Namora, in "Mar de Sargaços"
vago e belo e voluptuoso,
num bailado erótico, com o cenário dos astros, mudos
[e quedos.
Estrelas que as suas mãos afagam e a boca repele,
deixai que os caminhos da noite,
cegos e rectos como o destino,
suspensos como uma nuvem,
sejam os caminhos dos poetas
que lhes decoraram o nome.
Ó noite, coalhada nas formas de um corpo de mulher!
Esconde a vida no seio de uma estrela
e fá-la pairar, assim mágica e irreal,
para que a olhemos como uma lua sonâmbula.
Fernando Namora, in "Mar de Sargaços"
Fernando Namora nasceu em Condeixa-a-Nova, no distrito de Coimbra, em 15 de Abril de 1919. Licenciou-se em Medicina na Universidade de Coimbra. Exerceu como médico na Beira Baixa, no Alentejo e na sua terra natal, Condeixa. Essa experiência clínica e humana permitiu-lhe viver múltiplas experiências que aparecem reflectidas na sua obra literária, como em "Retalhos da Vida de um Médico" que traduz a sua experiência de médico rural, enquanto em "Casa da Malta" retrata a vida dos ganhões alentejanos. Além da ficção e da poesia, cultivou uma espécie de crónica romanceada, em que se fundem a reportagem e o ensaio. Algumas das suas obras foram adaptados para o cinema e também para a televisão. Morreu em Lisboa em 31 de Janeiro de 1989.
quarta-feira, 15 de dezembro de 2010
Joelho
Ponho um beijo
demorado
no topo do teu joelho
Desço-te a perna
arrastando
a saliva pelo meio
Onde a língua
segue o trilho
até onde vai o beijo
Não há nada
que disfarce
de ti aquilo que vejo
Em torno um mar
tão revolto
no cume o cimo do tempo
E os lençóis desalinhados
como se fosse
de vento
Volto então ao teu
joelho
entreabrindo-te as pernas
Deixando a boca
faminta
seguir o desejo nelas.
demorado
no topo do teu joelho
Desço-te a perna
arrastando
a saliva pelo meio
Onde a língua
segue o trilho
até onde vai o beijo
Não há nada
que disfarce
de ti aquilo que vejo
Em torno um mar
tão revolto
no cume o cimo do tempo
E os lençóis desalinhados
como se fosse
de vento
Volto então ao teu
joelho
entreabrindo-te as pernas
Deixando a boca
faminta
seguir o desejo nelas.
Maria Teresa Horta estudou na Faculdade de Letras de Lisboa, enveredando depois pela carreira jornalística. Dirigiu o ABC Cine-Clube e fez parte do grupo Poesia 61. Colaborou em jornais e revistas (Diário de Lisboa, Diário de Notícias, Jornal de Letras e Artes, Hidra 1, entre outros) e foi chefe de redacção da revista Mulheres. Feminista, publicou, com Maria Velho da Costa e Isabel Barreno, as Novas Cartas Portuguesas (1971), cujo conteúdo levou as autoras a tribunal. A sua obra encontra-se marcada por uma forte tendência de experimentação e exploração das potencialidades da linguagem, numa escrita impetuosa e frequentemente sensual. Estreou-se com a obra poética Espelho Inicial (1960), a que se seguiram, Tatuagem (1961), Cidadelas Submersas (1961), Verão Coincidente (1962), Amor Habitado (1963), Candelabro (1964), Jardim de Inverno (1966), Cronista Não é Recado (1967), Minha Senhora de Mim (1971), Poesia Completa (1983, dois volumes), e as obras de ficção Ambas as Mãos sobre o Corpo (1970), Ana (1975), A Educação Sentimental (1975), Os Anjos (1983), Ema (1984), O Transfer (1984), Rosa Sangrenta (1987), Antologia Política (1994), A Paixão Segundo Constança H. (1994) e O Destino (1997). Em 1999, lançou a obra A Mãe na Literatura Portuguesa, constituída por uma longa introdução da autora, depoimentos de várias individualidades, uma antologia de poesia e prosa de escritores portugueses e no fim um conjunto de quadras e provérbios, tudo em torno da temática da mãe. Em 2001, publica Minha Senhora de Mim
terça-feira, 14 de dezembro de 2010
Tu e Eu Meu Amor
Tu e eu meu amor
meu amor eu e tu
que o amor meu amor
é o nu contra o nu.
Nua a mão que segura
outra mão que lhe é dada
nua a suave ternura
na face apaixonada
nua a estrela mais pura
nos olhos da amada
nua a ânsia insegura
de uma boca beijada.
Tu e eu meu amor
meu amor eu e tu
que o amor meu amor
é o nu contra o nu.
Nu o riso e o prazer
como é nua a sentida
lágrima de não ver
na face dolorida
nu o corpo do ser
na hora prometida
meu amor que ao nascer
nus viemos à vida.
Tu e eu meu amor
meu amor eu e tu
que o amor meu amor
é o nu contra o nu.
Nua nua a verdade
tão forte no criar
adulta humanidade
nu o querer e o lutar
dia a dia pelo que há-de
os homens libertar
amor que a eternidade
é ser livre e amar.
Tu e eu meu amor
meu amor eu e tu
que o amor meu amor
é o nu contra o nu.
Manuel da Fonseca, in "Poemas para Adriano"
Manuel da Fonseca, nasceu em Santiago do Cacém em 15 de Outubro de 1911 e faleceu em Lisboa em 11 de Março de 1993. Após ter terminado o ensino básico, Manuel da Fonseca prosseguiu os seus estudos em Lisboa, no Colégio Vasco da Gama, no Liceu Camões, na Escola Lusitânia e na Escola de Belas-Artes. Durante os períodos de interregno escolar, aproveitava para regressar ao seu Alentejo de origem. Daí que o espaço de eleição dos seus primeiros textos seja o Alentejo. Só mais tarde é que o espaço das suas obras passou a ser a cidade de Lisboa.
quinta-feira, 9 de dezembro de 2010
Imagem Minha
Ficas a ler comprazida diante das rosas
silhueta que vislumbrei compus e reanimei.
Tinhas o perfil marcado cruamente pela luz,
as mãos claras no colo, os cabelos despojados
do brilho das cabeleiras soltas, mas juvenis
e sacudidos no início da tarde com alegria.
As páginas balouçavam do mesmo modo que as rosas
porque ao começar a tarde nos dias de Verão
brisas e vapores estendem-se desde o mar
até às margens floridas. No teu banco
adornado por festões de rosas trepadeiras
afastas os olhos do livro não absorta
mas para sempre atraída por inúmeras imagens.
Fiama Hasse Pais Brandão, in "Três Rostos - Poemas Revistos"
Fiama Hasse Pais Brandão, nasceu em Lisboa em 15 de Agosto de 1938 e faleceu na mesma cidade em 19 de Janeiro de 2007. Foi uma escritora, poetisa, dramaturga, ensaísta e tradutora portuguesa. A sua infância foi passada entre uma quinta em Carcavelos e o St. Julian's School. Foi estudante de Filologia Germânica na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, onde leccionou, tendo sido fundadora do Grupo de Teatro de Letras. Foi casada com o poeta Gastão Cruz. Traduziu obras de língua alemã, de língua inglesa e de língua francesa.
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