segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Vou-me Embora pra Pasárgada


Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada

Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconseqüente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que eu nunca tive

E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-dágua
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada

Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcalóide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar

E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
— Lá sou amigo do rei —
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada

Manuel Bandeira nasceu na cidade de Recife em1884 e morreu na cidade de Rio de Janeiro em 1968. Cursou Arquitectura, na Escola Politécnica e Desenho de Ornato, no Liceu de Artes e Ofícios, entre 1903 e 1904, mas abandonou os estudos devido à tuberculose. Nos anos seguintes, passou longos períodos em sanatórios, no Brasil e na Europa. Voltando ao Brasil, passou a viver no Rio de Janeiro, onde publicou A Cinza das Horas, em 1917. Nas décadas seguintes, aliou à produção poética, à colaboração em periódicos como cronista e crítico literário e com a tradução de mais de 30 obras. Foi eleito membro da Academia Brasileira de Letras em 1940. Manuel Bandeira, cuja obra se vincula à primeira geração do modernismo, é um dos maiores poetas brasileiros. A sua poesia, marcada pela experiência trágica da tuberculose, trata da morte, do amor e do quotidiano, em versos livres nos quais se destacam o humor, a melancolia e, por vezes, a amargura diante da vida.