sexta-feira, 30 de abril de 2010

CAMÕES

SONETO

Amor é fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói e não se sente;
É um contentamento descontente
É dor que desatina sem doer;


É um não querer mais que bem querer;
É solitário andar por entre a gente;
É nunca contentar-se de contente;
É cuidar que se ganha em se perder;

É querer estar preso por vontade;
É servir a quem vence, o vencedor;
É ter com quem nos mata lealdade.

Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos amizade,
Se tão contrário a si é o mesmo amor? Cquote2.svg

quinta-feira, 29 de abril de 2010

BOCAGE

RETRATO PRÓPRIO

Magro, de olhos azuis, carão moreno,
Bem servido de pés, meão na altura,
Triste da facha, o mesmo de figura,
Nariz alto no meio, e não pequeno.

Incapaz de assistir num só terreno,
Mais propenso ao furor do que à ternura;
Bebendo em níveas mãos por taça escura
De zelos infernais letal veneno:

Devoto incensador de mil deidades
(Digo, de moças mil) num só momento,
E somente no altar amando os frades:

Eis Bocage, em quem luz algum talento;
Saíram dele mesmo estas verdades
Num dia em que se achou mais pachorrento.

domingo, 25 de abril de 2010

25 DE ABRIL

Sophia de Mello Breyner Andersen, In "O nome das coisas":



ESTA É A MADRUGADA QUE EU ESPERAVA

O DIA INICIAL INTEIRO E LIMPO


ONDE EMERGIMOS DA NOITE E DO SILÊNCIO


E LIVRES HABITAMOS A SUBSTÂNCIA DO TEMPO


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Um outro Abril
 
Era um tempo parado
Agonia pesada
Triste rotina
Ânsia desesperada 
de uma alvorada que nunca mais acontecia.  

E, de repente, Abril
Não o Abril que sempre acontecia
Um Abril diferente
Um Abril de flores 
que exalavam o perfume e o sabor da LIBERDADE.

sábado, 24 de abril de 2010

Semana "JORGE DE SENA" ( VI )

Jorge de Sena nasceu em Lisboa em 2 de Novembro de 1919 e morreu em Santa Barbara, Califórnia, a 4 de Junho de 1978. Foi um dos maiores intelectuais portugueses do século XX. A sua obra, uma das mais importantes e significativas da cultura portuguesa no século XX, é também uma das mais multifacetadas: poeta, crítico, ensaísta, ficcionista, dramaturgo, tradutor e professor universitário, deixou também uma vasta epistolografia que manteve com figuras tutelares da história e da literatura portuguesas.
Licenciado em Engenharia Civil, dedicou-se desde muito novo à carreira de escritor, desenvolvendo, simultaneamente, uma importante intervenção política, pedagógica e cultural. Devido ao seu posicionamento político, livre e denunciador, sofreu perseguições políticas durante a ditadura salazarista. Exilou-se no Brasil1959 e adoptou a nacionalidade brasileira em 1963. Em 1965 seguiu, como professor, para a Universidade do Wisconsin (EUA) e, cinco anos mais tarde, para a Universidade da Califórnia, onde veio a chefiar os departamentos de Espanhol e Português e o de Literatura Comparada, cargos que manteve até 1978 em
Para Jorge de Sena, a poesia era, ela mesma, uma forma de testemunhar e transformar o mundo, uma forma de intervenção, embora entendida de forma diversa do neo-realismo. Num lirismo depurado, levou muitas vezes a cabo uma crítica mordaz e irónica da realidade, que assumia, por vezes, uma forma provocadora, algo dolorosa que se consubstanciava numa visão irónica de certos mitos da tradição cultural portuguesa, satirizando frequentemente aspectos provincianos ou saudosistas do seu país e do seu povo.
Em 11 de Setembro de 2009, os seus restos mortais foram trasladados de Santa Barbara, Califórnia, onde estavam enterrados desde 1978, para o cemitério do Prazeres em Lisboa.
“A DESENHADA IMAGEM”

A desenhada imagem como forma que
Se forma no tecido distendido por
Recurvas fímbrias que de forma criam
O arredondado abrupto do pequeno seio.

Um seio que se alonga e se projecta
Em desejado enigma de se erguer em pêndulo
Que horizontal balouça contra as leis do peso
Ao resto suspendendo sobre o espaço vago.

Do róseo olhar que cego e mais obscuro
Só por promessas fita escorrem gotas
De alva humidade opaca a boca lambe-as
Antes de os lábios se fecharem nela
Ao gosto abrindo-se (por dentro) à vida
Alimentada em sonhos de a crescer bebida.

sexta-feira, 23 de abril de 2010

Semana "JORGE DE SENA" ( V )

Jorge de Sena nasceu em Lisboa em 2 de Novembro de 1919 e morreu em Santa Barbara, Califórnia, a 4 de Junho de 1978. Foi um dos maiores intelectuais portugueses do século XX. A sua obra, uma das mais importantes e significativas da cultura portuguesa no século XX, é também uma das mais multifacetadas: poeta, crítico, ensaísta, ficcionista, dramaturgo, tradutor e professor universitário, deixou também uma vasta epistolografia que manteve com figuras tutelares da história e da literatura portuguesas.
Licenciado em Engenharia Civil, dedicou-se desde muito novo à carreira de escritor, desenvolvendo, simultaneamente, uma importante intervenção política, pedagógica e cultural. Devido ao seu posicionamento político, livre e denunciador, sofreu perseguições políticas durante a ditadura salazarista. Exilou-se no Brasil1959 e adoptou a nacionalidade brasileira em 1963. Em 1965 seguiu, como professor, para a Universidade do Wisconsin (EUA) e, cinco anos mais tarde, para a Universidade da Califórnia, onde veio a chefiar os departamentos de Espanhol e Português e o de Literatura Comparada, cargos que manteve até 1978 em
Para Jorge de Sena, a poesia era, ela mesma, uma forma de testemunhar e transformar o mundo, uma forma de intervenção, embora entendida de forma diversa do neo-realismo. Num lirismo depurado, levou muitas vezes a cabo uma crítica mordaz e irónica da realidade, que assumia, por vezes, uma forma provocadora, algo dolorosa que se consubstanciava numa visão irónica de certos mitos da tradição cultural portuguesa, satirizando frequentemente aspectos provincianos ou saudosistas do seu país e do seu povo.
Em 11 de Setembro de 2009, os seus restos mortais foram trasladados de Santa Barbara, Califórnia, onde estavam enterrados desde 1978, para o cemitério do Prazeres em Lisboa.

"A PORTUGAL"

Esta é a ditosa pátria minha amada. Não.
Nem é ditosa, porque o não merece.
Nem minha amada, porque é só madrasta.
Nem pátria minha, porque eu não mereço
A pouca sorte de nascido nela.

Nada me prende ou liga a uma baixeza tanta
quanto esse arroto de passadas glórias.
Amigos meus mais caros tenho nela,
saudosamente nela, mas amigos são
por serem meus amigos, e mais nada.

Torpe dejecto de romano império;
babugem de invasões; salsugem porca
de esgoto atlântico; irrisória face
de lama, de cobiça, e de vileza,
de mesquinhez, de fátua ignorância;
terra de escravos, cu pró ar ouvindo
ranger no nevoeiro a nau do Encoberto;
terra de funcionários e de prostitutas,
devotos todos do milagre, castos
nas horas vagas de doença oculta;
terra de heróis a peso de ouro e sangue,
e santos com balcão de secos e molhados
no fundo da virtude; terra triste
à luz do sol calada, arrebicada, pulha,
cheia de afáveis para os estrangeiros
que deixam moedas e transportam pulgas,
oh pulgas lusitanas, pela Europa;
terra de monumentos em que o povo
assina a merda o seu anonimato;
terra-museu em que se vive ainda,
com porcos pela rua, em casas celtiberas;
terra de poetas tão sentimentais
que o cheiro de um sovaco os põe em transe;
terra de pedras esburgadas, secas
como esses sentimentos de oito séculos
de roubos e patrões, barões ou condes;
ó terra de ninguém, ninguém, ninguém:
eu te pertenço.
És cabra, és badalhoca,
és mais que cachorra pelo cio,
és peste e fome e guerra e dor de coração.
Eu te pertenço mas seres minha, não.

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Semana "JORGE DE SENA" ( IV )


Jorge de Sena nasceu em Lisboa em 2 de Novembro de 1919 e morreu em Santa Barbara, Califórnia, a 4 de Junho de 1978. Foi um dos maiores intelectuais portugueses do século XX. A sua obra, uma das mais importantes e significativas da cultura portuguesa no século XX, é também uma das mais multifacetadas: poeta, crítico, ensaísta, ficcionista, dramaturgo, tradutor e professor universitário, deixou também uma vasta epistolografia que manteve com figuras tutelares da história e da literatura portuguesas.
Licenciado em Engenharia Civil, dedicou-se desde muito novo à carreira de escritor, desenvolvendo, simultaneamente, uma importante intervenção política, pedagógica e cultural. Devido ao seu posicionamento político, livre e denunciador, sofreu perseguições políticas durante a ditadura salazarista. Exilou-se no Brasil1959 e adoptou a nacionalidade brasileira em 1963. Em 1965 seguiu, como professor, para a Universidade do Wisconsin (EUA) e, cinco anos mais tarde, para a Universidade da Califórnia, onde veio a chefiar os departamentos de Espanhol e Português e o de Literatura Comparada, cargos que manteve até 1978 em
Para Jorge de Sena, a poesia era, ela mesma, uma forma de testemunhar e transformar o mundo, uma forma de intervenção, embora entendida de forma diversa do neo-realismo. Num lirismo depurado, levou muitas vezes a cabo uma crítica mordaz e irónica da realidade, que assumia, por vezes, uma forma provocadora, algo dolorosa que se consubstanciava numa visão irónica de certos mitos da tradição cultural portuguesa, satirizando frequentemente aspectos provincianos ou saudosistas do seu país e do seu povo.
Em 11 de Setembro de 2009, os seus restos mortais foram trasladados de Santa Barbara, Califórnia, onde estavam enterrados desde 1978, para o cemitério do Prazeres em Lisboa.

“BEIJO”

Um beijo em lábios é que se demora
e tremem no abrir-se a dentes línguas
tão penetrantes quanto línguas podem.
Mais beijo é mais. É boca aberta hiante
para de encher-se ao que se mova nela.
É dentes se apertando delicados.
É língua que na boca se agitando
irá de um corpo inteiro descobrir o gosto
e sobretudo o que se oculta em sombras
e nos recantos em cabelos vive.
É beijo tudo o que de lábios seja
quanto de lábios se deseja.

 

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Semana "JORGE DE SENA" ( III )


Jorge de Sena nasceu em Lisboa em 2 de Novembro de 1919 e morreu em Santa Barbara, Califórnia, a 4 de Junho de 1978. Foi um dos maiores intelectuais portugueses do século XX. A sua obra, uma das mais importantes e significativas da cultura portuguesa no século XX, é também uma das mais multifacetadas: poeta, crítico, ensaísta, ficcionista, dramaturgo, tradutor e professor universitário, deixou também uma vasta epistolografia que manteve com figuras tutelares da história e da literatura portuguesas.
Licenciado em Engenharia Civil, dedicou-se desde muito novo à carreira de escritor, desenvolvendo, simultaneamente, uma importante intervenção política, pedagógica e cultural. Devido ao seu posicionamento político, livre e denunciador, sofreu perseguições políticas durante a ditadura salazarista. Exilou-se no Brasil1959 e adoptou a nacionalidade brasileira em 1963. Em 1965 seguiu, como professor, para a Universidade do Wisconsin (EUA) e, cinco anos mais tarde, para a Universidade da Califórnia, onde veio a chefiar os departamentos de Espanhol e Português e o de Literatura Comparada, cargos que manteve até 1978 em
Para Jorge de Sena, a poesia era, ela mesma, uma forma de testemunhar e transformar o mundo, uma forma de intervenção, embora entendida de forma diversa do neo-realismo. Num lirismo depurado, levou muitas vezes a cabo uma crítica mordaz e irónica da realidade, que assumia, por vezes, uma forma provocadora, algo dolorosa que se consubstanciava numa visão irónica de certos mitos da tradição cultural portuguesa, satirizando frequentemente aspectos provincianos ou saudosistas do seu país e do seu povo.
Em 11 de Setembro de 2009, os seus restos mortais foram trasladados de Santa Barbara, Califórnia, onde estavam enterrados desde 1978, para o cemitério do Prazeres em Lisboa.

“BUCÓLICA E NÃO”

Há sempre poetas para fazer versos à terra,
às plantas, animais, num cheiro de bucólico,
mistura de verduras podres, resinas escorrendo,
flores perfumadas, terra humedecida, e o adocicado
e acre também estrume: é sexo o que cheiram?
Amor o que respiram? As ervas que no vento
se abaixam e se entesam, e o arvoredo erecto,
de ramos balançando mas retesos, é de si mesmos sem baixar os olhos
ao longo do seu corpo e sem tocar-se
com as mãos - que lhes recordam?
E aqueles nós peludos de musguentos
em troncos. Ou no chão buracos de formigas,
e de si mesmos, fêmeas, que lhes lembram?
É orvalho em flores ou folhas ou nos troncos,
rios e regatos murmurantes - que serão?
Acaso podem ser opacos e leitosos,
Jorrando intermitentes num agudo jacto?
que terra o amor mostra que não seja
o amor que não se abriu ou não saltou,
o amor que não foi feito ou não se deu?
 

terça-feira, 20 de abril de 2010

Semana "JORGE DE SENA" ( II )


Jorge de Sena nasceu em Lisboa em 2 de Novembro de 1919 e morreu em Santa Barbara, Califórnia, a 4 de Junho de 1978. Foi um dos maiores intelectuais portugueses do século XX. A sua obra, uma das mais importantes e significativas da cultura portuguesa no século XX, é também uma das mais multifacetadas: poeta, crítico, ensaísta, ficcionista, dramaturgo, tradutor e professor universitário, deixou também uma vasta epistolografia que manteve com figuras tutelares da história e da literatura portuguesas.
Licenciado em Engenharia Civil, dedicou-se desde muito novo à carreira de escritor, desenvolvendo, simultaneamente, uma importante intervenção política, pedagógica e cultural. Devido ao seu posicionamento político, livre e denunciador, sofreu perseguições políticas durante a ditadura salazarista. Exilou-se no Brasil1959 e adoptou a nacionalidade brasileira em 1963. Em 1965 seguiu, como professor, para a Universidade do Wisconsin (EUA) e, cinco anos mais tarde, para a Universidade da Califórnia, onde veio a chefiar os departamentos de Espanhol e Português e o de Literatura Comparada, cargos que manteve até 1978 em
Para Jorge de Sena, a poesia era, ela mesma, uma forma de testemunhar e transformar o mundo, uma forma de intervenção, embora entendida de forma diversa do neo-realismo. Num lirismo depurado, levou muitas vezes a cabo uma crítica mordaz e irónica da realidade, que assumia, por vezes, uma forma provocadora, algo dolorosa que se consubstanciava numa visão irónica de certos mitos da tradição cultural portuguesa, satirizando frequentemente aspectos provincianos ou saudosistas do seu país e do seu povo.
Em 11 de Setembro de 2009, os seus restos mortais foram trasladados de Santa Barbara, Califórnia, onde estavam enterrados desde 1978, para o cemitério do Prazeres em Lisboa.

“GÉNESIS”

De mim não falo mais: não quero nada.
De Deus não falo: não tem outro abrigo.
Não falarei também do mundo antigo,
pois nasce e morre em cada madrugada.

Nem de existir, que é a vida atraiçoada,
para sentir o tempo andar comigo;
nem de viver, que é liberdade errada,
e foge todo o Amor quando o persigo.

Por mais justiça... - Ai quantos que eram novos
em vão a esperaram porque nunca a viram!
E a eternidade...Ó transfusão dos povos!

Não há verdade: O mundo não a esconde.
Tudo se vê: só se não sabe aonde.
Mortais ou imortais, todos mentiram.
 

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Semana "JORGE DE SENA" ( I )


Jorge de Sena nasceu em Lisboa em 2 de Novembro de 1919 e morreu em Santa Barbara, Califórnia, a 4 de Junho de 1978. Foi um dos maiores intelectuais portugueses do século XX. A sua obra, uma das mais importantes e significativas da cultura portuguesa no século XX, é também uma das mais multifacetadas: poeta, crítico, ensaísta, ficcionista, dramaturgo, tradutor e professor universitário, deixou também uma vasta epistolografia que manteve com figuras tutelares da história e da literatura portuguesas.
Licenciado em Engenharia Civil, dedicou-se desde muito novo à carreira de escritor, desenvolvendo, simultaneamente, uma importante intervenção política, pedagógica e cultural. Devido ao seu posicionamento político, livre e denunciador, sofreu perseguições políticas durante a ditadura salazarista. Exilou-se no Brasil1959 e adoptou a nacionalidade brasileira em 1963. Em 1965 seguiu, como professor, para a Universidade do Wisconsin (EUA) e, cinco anos mais tarde, para a Universidade da Califórnia, onde veio a chefiar os departamentos de Espanhol e Português e o de Literatura Comparada, cargos que manteve até 1978 em
Para Jorge de Sena, a poesia era, ela mesma, uma forma de testemunhar e transformar o mundo, uma forma de intervenção, embora entendida de forma diversa do neo-realismo. Num lirismo depurado, levou muitas vezes a cabo uma crítica mordaz e irónica da realidade, que assumia, por vezes, uma forma provocadora, algo dolorosa que se consubstanciava numa visão irónica de certos mitos da tradição cultural portuguesa, satirizando frequentemente aspectos provincianos ou saudosistas do seu país e do seu povo.
Em 11 de Setembro de 2009, os seus restos mortais foram trasladados de Santa Barbara, Califórnia, onde estavam enterrados desde 1978, para o cemitério do Prazeres em Lisboa.

«ESTÃO PODRES AS PALAVRAS...»

Estão podres as palavras - de passarem
por sórdidas mentiras de canalhas
que as usam ao revés como o carácter deles.
E podres de sonâmbulos os povos
ante a maldade à solta de que vivem
a paz quotidiana da injustiça.
Usá-las puras - como serão puras,
se caem no silêncio em que os mais puros
não sabem já onde a limpeza acaba
e a corrupção começa? Como serão puras
se logo a infâmia as cobre de seu cuspo?
Estão podres: e com elas apodrece a mundo
e se dissolve em lama a criação do homem
que só persiste em todos livremente
onde as palavras fiquem como torres
erguidas sexo de homens entre o céu e a terra.

 

domingo, 18 de abril de 2010

Semana "DAVID MOURÃO-FERREIRA (VII)


David Mourão-Ferreira  nasceu a 24 de Fevereiro de 1927 e faleceu a16 de Junho de 1996. Licenciou-se em Filologia Românica pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa em 1951, onde mais tarde em 1957 foi professor. Na sua obra, são famosos alguns dos poemas que compôs para a voz de Amália Rodrigues, como Sombra, Maria Lisboa, Nome de Rua, Fado Peniche e sobretudo Barco Negro, entre outros. Entre 1963 e 1973 foi secretário-geral da Sociedade Portuguesa de Autores. No pós-25 de Abril, foi director do jornal A Capital e director-adjunto de O Dia. No governo, desempenhou o cargo de Secretário de Estado da Cultura (de 1976 a Janeiro de 1978, e em 1979). Foi autor de alguns programas de televisão de que se destacam "Imagens da Poesia Europeia", para a RTP. Em 1981 foi condecorado com o grau de Grande Oficial da Ordem de Santiago da Espada. Em 1996 recebe o Prémio de Carreira da Sociedade Portuguesa de Autores e, no mesmo ano, recebe a Grã-Cruz da Ordem de Santiago da Espada.

Alvorada

E de súbito
um corpo! Alvorada sombria,
Alvorada nefasta envolta nuns cabelos.....
Eram negros e vivos. Quem sofria,
Só de vê-los?

Eram negros; e vivos como chamas.
Brilhavam, azulados sob a chuva.
Brilhavam, azulados, como escamas
De sereia sombria, sob a chuva...

Veio cedo de mais a trovoada:
O vento me lembrou
De quem eu sou.
- Alvorada suspensa! Contemplada
por alguém que chegou a uma sacada
e à beira da varanda vacilou.

sábado, 17 de abril de 2010

Semana "DAVID MOURÃO-FERREIRA" ( VI)


David Mourão-Ferreira  nasceu a 24 de Fevereiro de 1927 e faleceu a16 de Junho de 1996. Licenciou-se em Filologia Românica pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa em 1951, onde mais tarde em 1957 foi professor. Na sua obra, são famosos alguns dos poemas que compôs para a voz de Amália Rodrigues, como Sombra, Maria Lisboa, Nome de Rua, Fado Peniche e sobretudo Barco Negro, entre outros. Entre 1963 e 1973 foi secretário-geral da Sociedade Portuguesa de Autores. No pós-25 de Abril, foi director do jornal A Capital e director-adjunto de O Dia. No governo, desempenhou o cargo de Secretário de Estado da Cultura (de 1976 a Janeiro de 1978, e em 1979). Foi autor de alguns programas de televisão de que se destacam "Imagens da Poesia Europeia", para a RTP. Em 1981 foi condecorado com o grau de Grande Oficial da Ordem de Santiago da Espada. Em 1996 recebe o Prémio de Carreira da Sociedade Portuguesa de Autores e, no mesmo ano, recebe a Grã-Cruz da Ordem de Santiago da Espada.

Canção amarga

Que importa o gesto não ser bem
o gesto grácil que terias?
--- Importa amar, sem ver a quem...
Ser mau ou bom, conforme os dias.

Agora, tu só entrevista,
quantas imagens me trouxeste!
Mas é preciso que eu resista
e não acorde um sonho agreste.

Que passes tu! Por mim, bem sei
que hei-de aceitar o que vier,
pois tarde ou cedo deverei
de sonho e pasmo apodrecer.

Que importa o gesto não ser bem
o gesto grácil que terias?
--- Importa amar, sem ver a quem...
Ser infeliz, todos os dias!

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Semana "DAVID MOURÃO-FERREIRA" ( V )


David Mourão-Ferreira  nasceu a 24 de Fevereiro de 1927 e faleceu a16 de Junho de 1996. Licenciou-se em Filologia Românica pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa em 1951, onde mais tarde em 1957 foi professor. Na sua obra, são famosos alguns dos poemas que compôs para a voz de Amália Rodrigues, como Sombra, Maria Lisboa, Nome de Rua, Fado Peniche e sobretudo Barco Negro, entre outros. Entre 1963 e 1973 foi secretário-geral da Sociedade Portuguesa de Autores. No pós-25 de Abril, foi director do jornal A Capital e director-adjunto de O Dia. No governo, desempenhou o cargo de Secretário de Estado da Cultura (de 1976 a Janeiro de 1978, e em 1979). Foi autor de alguns programas de televisão de que se destacam "Imagens da Poesia Europeia", para a RTP. Em 1981 foi condecorado com o grau de Grande Oficial da Ordem de Santiago da Espada. Em 1996 recebe o Prémio de Carreira da Sociedade Portuguesa de Autores e, no mesmo ano, recebe a Grã-Cruz da Ordem de Santiago da Espada.


E por vezes…

E por vezes as noites duram meses
E por vezes os meses oceanos
E por vezes os braços que apertamos
nunca mais são os mesmos E por vezes

encontramos de nós em poucos meses
o que a noite nos fez em muitos anos
E por vezes fingimos que lembramos
E por vezes lembramos que por vezes

ao tomarmos o gosto aos oceanos
só o sarro das noites não dos meses
lá no fundo dos copos encontramos

E por vezes sorrimos ou choramos
E por vezes por vezes ah por vezes
num segundo se envolam tantos anos.

quinta-feira, 15 de abril de 2010

Semana "DAVID MOURÃO-FERREIRA" ( IV )


David Mourão-Ferreira  nasceu a 24 de Fevereiro de 1927 e faleceu a16 de Junho de 1996. Licenciou-se em Filologia Românica pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa em 1951, onde mais tarde em 1957 foi professor. Na sua obra, são famosos alguns dos poemas que compôs para a voz de Amália Rodrigues, como Sombra, Maria Lisboa, Nome de Rua, Fado Peniche e sobretudo Barco Negro, entre outros. Entre 1963 e 1973 foi secretário-geral da Sociedade Portuguesa de Autores. No pós-25 de Abril, foi director do jornal A Capital e director-adjunto de O Dia. No governo, desempenhou o cargo de Secretário de Estado da Cultura (de 1976 a Janeiro de 1978, e em 1979). Foi autor de alguns programas de televisão de que se destacam "Imagens da Poesia Europeia", para a RTP. Em 1981 foi condecorado com o grau de Grande Oficial da Ordem de Santiago da Espada. Em 1996 recebe o Prémio de Carreira da Sociedade Portuguesa de Autores e, no mesmo ano, recebe a Grã-Cruz da Ordem de Santiago da Espada.

Soneto do amor cativo

Se é sem dúvida Amor esta explosão
de tantas sensações contraditórias;
a sórdida mistura das memórias,
tão longe da verdade e da invenção;

o espelho deformante; a profusão
de frases insensatas, incensórias;
a cúmplice partilha nas  histórias
do que os outros dirão ou não dirão;

se é sem dúvida Amor a cobardia
de buscar no lençóis a mais sombria
razão de encantamentos e de desprezo;

não há dúvida Amor que te não fujo
e que, por ti, tão cego, surdo e sujo,
tenho vivido eternamente preso!

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Semana "DAVID MOURÃO-FERREIRA" ( III )


David Mourão-Ferreira  nasceu a 24 de Fevereiro de 1927 e faleceu a16 de Junho de 1996. Licenciou-se em Filologia Românica pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa em 1951, onde mais tarde em 1957 foi professor. Na sua obra, são famosos alguns dos poemas que compôs para a voz de Amália Rodrigues, como Sombra, Maria Lisboa, Nome de Rua, Fado Peniche e sobretudo Barco Negro, entre outros. Entre 1963 e 1973 foi secretário-geral da Sociedade Portuguesa de Autores. No pós-25 de Abril, foi director do jornal A Capital e director-adjunto de O Dia. No governo, desempenhou o cargo de Secretário de Estado da Cultura (de 1976 a Janeiro de 1978, e em 1979). Foi autor de alguns programas de televisão de que se destacam "Imagens da Poesia Europeia", para a RTP. Em 1981 foi condecorado com o grau de Grande Oficial da Ordem de Santiago da Espada. Em 1996 recebe o Prémio de Carreira da Sociedade Portuguesa de Autores e, no mesmo ano, recebe a Grã-Cruz da Ordem de Santiago da Espada.

Crepúsculo

É quando um espelho, no quarto,
se enfastia;
Quando a noite se destaca
da cortina;
Quando a carne tem o travo
da saliva,
e a saliva sabe a carne
dissolvida;
Quando a força de vontade
ressuscita;
Quando o pé sobre o sapato
se equilibra...
E quando às sete da tarde
morre o dia
- que dentro de nossas almas
se ilumina,
com luz lívida, a palavra.

terça-feira, 13 de abril de 2010

Semana "DAVID MOURÃO-FERREIRA" ( II )


David Mourão-Ferreira  nasceu a 24 de Fevereiro de 1927 e faleceu a16 de Junho de 1996. Licenciou-se em Filologia Românica pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa em 1951, onde mais tarde em 1957 foi professor. Na sua obra, são famosos alguns dos poemas que compôs para a voz de Amália Rodrigues, como Sombra, Maria Lisboa, Nome de Rua, Fado Peniche e sobretudo Barco Negro, entre outros. Entre 1963 e 1973 foi secretário-geral da Sociedade Portuguesa de Autores. No pós-25 de Abril, foi director do jornal A Capital e director-adjunto de O Dia. No governo, desempenhou o cargo de Secretário de Estado da Cultura (de 1976 a Janeiro de 1978, e em 1979). Foi autor de alguns programas de televisão de que se destacam "Imagens da Poesia Europeia", para a RTP. Em 1981 foi condecorado com o grau de Grande Oficial da Ordem de Santiago da Espada. Em 1996 recebe o Prémio de Carreira da Sociedade Portuguesa de Autores e, no mesmo ano, recebe a Grã-Cruz da Ordem de Santiago da Espada.

Penélope

mais do que um sonho: comoção!
Sinto-me tonto, enternecido,
quando, de noite, as minhas mãos
são o teu único vestido.

e recompões com essa veste,
que eu, sem saber, tinha tecido,
todo o pudor que desfizeste
como uma teia sem sentido,
todo o pudor que desfizeste
a meu pedido.

mas nesse manto que desfias,
e que depois voltas a pôr,
eu reconheço os melhores dias
do nosso amor.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Semana "DAVID MOURÃO-FERREIRA" ( I )


David Mourão-Ferreira  nasceu a 24 de Fevereiro de 1927 e faleceu a16 de Junho de 1996. Licenciou-se em Filologia Românica pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa em 1951, onde mais tarde em 1957 foi professor. Na sua obra, são famosos alguns dos poemas que compôs para a voz de Amália Rodrigues, como Sombra, Maria Lisboa, Nome de Rua, Fado Peniche e sobretudo Barco Negro, entre outros. Entre 1963 e 1973 foi secretário-geral da Sociedade Portuguesa de Autores. No pós-25 de Abril, foi director do jornal A Capital e director-adjunto de O Dia. No governo, desempenhou o cargo de Secretário de Estado da Cultura (de 1976 a Janeiro de 1978, e em 1979). Foi autor de alguns programas de televisão de que se destacam "Imagens da Poesia Europeia", para a RTP. Em 1981 foi condecorado com o grau de Grande Oficial da Ordem de Santiago da Espada. Em 1996 recebe o Prémio de Carreira da Sociedade Portuguesa de Autores e, no mesmo ano, recebe a Grã-Cruz da Ordem de Santiago da Espada.
 
Soneto do amor cativo

Se é sem dúvida Amor esta explosão
de tantas sensações contraditórias;
a sórdida mistura das memórias,
tão longe da verdade e da invenção;

o espelho deformante; a profusão
de frases insensatas, incensórias;
a cúmplice partilha nas  histórias
do que os outros dirão ou não dirão;

se é sem dúvida Amor a cobardia
de buscar no lençóis a mais sombria
razão de encantamentos e de desprezo;

não há dúvida Amor que te não fujo
e que, por ti, tão cego, surdo e sujo,
tenho vivido eternamente preso!


domingo, 11 de abril de 2010

Semana "RUY BELO" (VII)


Poeta e ensaísta português, natural de São João da Ribeira, Rio Maior, nasceu em 1933 e faleceu em 1978. Licenciado em Filologia Românica e em Direito pela Universidade de Lisboa, tornou-se membro da Opus Dei e obteve o grau de doutor em Direito Canónico pela Universidade Gregoriana de Roma, com uma tese intitulada «Ficção Literária e Censura Eclesiástica».
O seu relacionamento com opositores ao regime da época, a participação na greve académica de 1962 e a sua candidatura a deputado, em 1969, pelas listas da Comissão Eleitoral de Unidade Democrática, levaram a que as suas actividades fossem vigiadas e condicionadas. Foi-lhe recusada a possibilidade de leccionar na Faculdade de Letras de Lisboa, dando aulas na Escola Técnica do Cacém, no ensino nocturno. Apesar do curto período de actividade literária, Ruy Belo tornou-se um dos maiores poetas portugueses da segunda metade deste século, tendo as suas obras sido reeditadas diversas vezes. Em 1991 foi condecorado, a título póstumo, com o grau de Grande Oficial da Ordem Militar de Santiago da Espada. 


 

JOSÉ O HOMEM DOS SONHOS

Que nome dar ao poeta
esse ser dos espantos medonhos?
Um só encontro próprio e justo:
o de josé o homem dos sonhos
Eu canto os pássaros e as árvores
Mas uns e outros nos versos ponho-os
Quem é que canta sem condição?
É josé o homem dos sonhos

Deus põe e o homem dispõe
E aquele que ao longo da vereda vem
homem sem pai e sem mãe
homem a quem a própria dor não dói
bíblico no nome e a comer medronhos
só pode ser josé o homem dos sonhos.

sábado, 10 de abril de 2010

Semana "RUY BELO" (VI)


Poeta e ensaísta português, natural de São João da Ribeira, Rio Maior, nasceu em 1933 e faleceu em 1978. Licenciado em Filologia Românica e em Direito pela Universidade de Lisboa, tornou-se membro da Opus Dei e obteve o grau de doutor em Direito Canónico pela Universidade Gregoriana de Roma, com uma tese intitulada «Ficção Literária e Censura Eclesiástica».
O seu relacionamento com opositores ao regime da época, a participação na greve académica de 1962 e a sua candidatura a deputado, em 1969, pelas listas da Comissão Eleitoral de Unidade Democrática, levaram a que as suas actividades fossem vigiadas e condicionadas. Foi-lhe recusada a possibilidade de leccionar na Faculdade de Letras de Lisboa, dando aulas na Escola Técnica do Cacém, no ensino nocturno. Apesar do curto período de actividade literária, Ruy Belo tornou-se um dos maiores poetas portugueses da segunda metade deste século, tendo as suas obras sido reeditadas diversas vezes. Em 1991 foi condecorado, a título póstumo, com o grau de Grande Oficial da Ordem Militar de Santiago da Espada. 

P O V O A M E N T O


No teu amor por mim há uma rua que começa
Nem árvores nem casas existiam
antes que tu tivesses palavras
e todo eu fosse um coração para elas
Invento-te e o céu azula-se sobre esta
triste condição de ter de receber
dos choupos onde cantam
os impossíveis pássaros
a nova primavera
Tocam sinos e levantam voo
todos os cuidados
Ó meu amor nem minha mãe
tinha assim um regaço
como este dia tem
E eu chego e sento-me ao lado
da primavera  

 

sexta-feira, 9 de abril de 2010

Semana "RUY BELO" (V)


Poeta e ensaísta português, natural de São João da Ribeira, Rio Maior, nasceu em 1933 e faleceu em 1978. Licenciado em Filologia Românica e em Direito pela Universidade de Lisboa, tornou-se membro da Opus Dei e obteve o grau de doutor em Direito Canónico pela Universidade Gregoriana de Roma, com uma tese intitulada «Ficção Literária e Censura Eclesiástica».
O seu relacionamento com opositores ao regime da época, a participação na greve académica de 1962 e a sua candidatura a deputado, em 1969, pelas listas da Comissão Eleitoral de Unidade Democrática, levaram a que as suas actividades fossem vigiadas e condicionadas. Foi-lhe recusada a possibilidade de leccionar na Faculdade de Letras de Lisboa, dando aulas na Escola Técnica do Cacém, no ensino nocturno. Apesar do curto período de actividade literária, Ruy Belo tornou-se um dos maiores poetas portugueses da segunda metade deste século, tendo as suas obras sido reeditadas diversas vezes. Em 1991 foi condecorado, a título póstumo, com o grau de Grande Oficial da Ordem Militar de Santiago da Espada. 
A minha Juventude
Na minha juventude antes de ter saído
Da casa de meus pais disposto a viajar
Eu conhecia já o rebentar do mar
Das páginas dos livros que já tinha lido

Chegava o mês de Maio era tudo florido
O rolo das manhãs punha-se a circular
E era só ouvir o sonhador falar
Da vida como se ela houvesse acontecido

E tudo se passava numa outra vida
E havia para as coisas sempre uma saída
Quando foi isso? Eu próprio não o sei dizer

Só sei que tinha o poder duma criança
Entre as coisas e mim havia vizinhança
E tudo era possível era só querer

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Semana "RUY BELO" (IV)

Poeta e ensaísta português, natural de São João da Ribeira, Rio Maior, nasceu em 1933 e faleceu em 1978. Licenciado em Filologia Românica e em Direito pela Universidade de Lisboa, tornou-se membro da Opus Dei e obteve o grau de doutor em Direito Canónico pela Universidade Gregoriana de Roma, com uma tese intitulada «Ficção Literária e Censura Eclesiástica».
O seu relacionamento com opositores ao regime da época, a participação na greve académica de 1962 e a sua candidatura a deputado, em 1969, pelas listas da Comissão Eleitoral de Unidade Democrática, levaram a que as suas actividades fossem vigiadas e condicionadas. Foi-lhe recusada a possibilidade de leccionar na Faculdade de Letras de Lisboa, dando aulas na Escola Técnica do Cacém, no ensino nocturno. Apesar do curto período de actividade literária, Ruy Belo tornou-se um dos maiores poetas portugueses da segunda metade deste século, tendo as suas obras sido reeditadas diversas vezes. Em 1991 foi condecorado, a título póstumo, com o grau de Grande Oficial da Ordem Militar de Santiago da Espada. 


A mão no arado 
Feliz aquele que administra sabiamente a tristeza e aprende a reparti-la pelos dias Podem passar os meses e os anos nunca lhe faltará Oh! como é triste envelhecer à porta entretecer nas mãos um coração tardio Oh como é triste arriscar em humanos regressos o equilíbrio azul das extremas manhãs do verão ao longo do mar transbordante de nós no demorado adeus da nossa condição É triste no jardim a solidão do sol vê-lo desde o rumor e as casas da cidade até uma vaga promessa de rio e a pequenina vida que se concede às unhas Mais triste é termos de nascer e morrer e haver árvores ao fim da rua É triste ir pela vida como quem regressa e entrar humildemente por engano pela morte dentro É triste no outono concluir que era o verão a única estação Passou o solitário vento e não o conhecemos e não soubemos ir até ao fundo da verdura como rios que sabem onde encontrar o mar e com que pontes com que ruas com que gentes com que montes conviver através de palavras de uma água para sempre dita Mas o mais triste é recordar os gestos de amanhã Triste é comprar castanhas depois da tourada entre o fumo e o domingo na tarde de novembro e ter como futuro o asfalto e muita gente e atrás a vida sem nenhuma infância revendo tuido isto algum tempo depois A tarde morre pelos dias fora É muito triste andar por entre Deus ausente Mas, ó poeta, administra a tristeza sabiamente.

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Semana "RUY BELO" (III)



Poeta e ensaísta português, natural de São João da Ribeira, Rio Maior, nasceu em 1933 e faleceu em 1978. Licenciado em Filologia Românica e em Direito pela Universidade de Lisboa, tornou-se membro da Opus Dei e obteve o grau de doutor em Direito Canónico pela Universidade Gregoriana de Roma, com uma tese intitulada «Ficção Literária e Censura Eclesiástica».
O seu relacionamento com opositores ao regime da época, a participação na greve académica de 1962 e a sua candidatura a deputado, em 1969, pelas listas da Comissão Eleitoral de Unidade Democrática, levaram a que as suas actividades fossem vigiadas e condicionadas. Foi-lhe recusada a possibilidade de leccionar na Faculdade de Letras de Lisboa, dando aulas na Escola Técnica do Cacém, no ensino nocturno. Apesar do curto período de actividade literária, Ruy Belo tornou-se um dos maiores poetas portugueses da segunda metade deste século, tendo as suas obras sido reeditadas diversas vezes. Em 1991 foi condecorado, a título póstumo, com o grau de Grande Oficial da Ordem Militar de Santiago da Espada. 


 
Os pássaros nascem na ponta das árvores

As árvores que eu vejo em vez de fruto dão pássaros
Os pássaros são o fruto mais vivo das árvores
Os pássaros começam onde as árvores acabam
Ao chegar aos pássaros as árvores engrossam movimentam-se
Deixam o reino vegetal para passar a pertencer ao reino animal
Como pássaros poisam as folhas na terra
Quando o Outono desce veladamente sobre os campos
Gostaria de dizer que os pássaros emanam das árvores
Mas deixo essa forma de dizer ao romancista
É complicada e não se da bem na poesia
Não foi ainda isolada da filosofia
Eu amo as árvores principalmente as que dão pássaros
Quem é que lá os pendura nos ramos?
De quem é a mão a inúmera mão?
Eu passo e muda-se-me o coração

terça-feira, 6 de abril de 2010

Semana "RUY BELO" (II)


Poeta e ensaísta português, natural de São João da Ribeira, Rio Maior, nasceu em 1933 e faleceu em 1978. Licenciado em Filologia Românica e em Direito pela Universidade de Lisboa, tornou-se membro da Opus Dei e obteve o grau de doutor em Direito Canónico pela Universidade Gregoriana de Roma, com uma tese intitulada «Ficção Literária e Censura Eclesiástica».
O seu relacionamento com opositores ao regime da época, a participação na greve académica de 1962 e a sua candidatura a deputado, em 1969, pelas listas da Comissão Eleitoral de Unidade Democrática, levaram a que as suas actividades fossem vigiadas e condicionadas. Foi-lhe recusada a possibilidade de leccionar na Faculdade de Letras de Lisboa, dando aulas na Escola Técnica do Cacém, no ensino nocturno. Apesar do curto período de actividade literária, Ruy Belo tornou-se um dos maiores poetas portugueses da segunda metade deste século, tendo as suas obras sido reeditadas diversas vezes. Em 1991 foi condecorado, a título póstumo, com o grau de Grande Oficial da Ordem Militar de Santiago da Espada. 

Eu canto os amores e a morte a apoteose e a sorte
Dessa que tão horizontal em pedra jaz e esse Pedro neto desse
trovador de quem se diz
Que sem pré Dom Dinis fez o que quis
O círculo amoroso cerca a sociedade
Mas por fim a cidade é vencedora do amor
E há sempre serenidade na cidade
Na igreja abacial de Santa Maria de Alcobaça
Os que em vida se amaram para sempre se juntaram
No cruzeiro de pedra onde em quarenta e seis edículas se narra
A história desse amor às vezes alegria quase sempre dor
Amor pétreo de Pedro que prepara Inês esse alvo leito
em pedra
 


segunda-feira, 5 de abril de 2010

Semana "RUY BELO" (I)


Poeta e ensaísta português, natural de São João da Ribeira, Rio Maior, nasceu em 1933 e faleceu em 1978. Licenciado em Filologia Românica e em Direito pela Universidade de Lisboa, tornou-se membro da Opus Dei e obteve o grau de doutor em Direito Canónico pela Universidade Gregoriana de Roma, com uma tese intitulada «Ficção Literária e Censura Eclesiástica».
O seu relacionamento com opositores ao regime da época, a participação na greve académica de 1962 e a sua candidatura a deputado, em 1969, pelas listas da Comissão Eleitoral de Unidade Democrática, levaram a que as suas actividades fossem vigiadas e condicionadas. Foi-lhe recusada a possibilidade de leccionar na Faculdade de Letras de Lisboa, dando aulas na Escola Técnica do Cacém, no ensino nocturno. Apesar do curto período de actividade literária, Ruy Belo tornou-se um dos maiores poetas portugueses da segunda metade deste século, tendo as suas obras sido reeditadas diversas vezes. Em 1991 foi condecorado, a título póstumo, com o grau de Grande Oficial da Ordem Militar de Santiago da Espada. 

Homem para Deus

Ele vai só ele não tem ninguém
onde morrer um pouco toda a morte que o espera
Se é ele o portador do grande coração
e sabe abrir o seio como a terra
temei não partam dele as grandes negações
Que há de comum entre ele e quem na juventude foi
que mão estendem eles um ao outro
por sobre tanta morte que nos dias veio?
E no seu coração que todo o homem ri e sofre
é lá que as estações recolhem findo o fogo
onde aquecer as mãos durante a tentação
é lá que no seu tempo tudo nasce ou morre
Não leva mais de seu que esse pequeno orgulho
de saber que decerto qualquer coisa acabará
quando partir um dia para não voltar
e que então finalmente uma atitude sua há-de implicar
embora diminuta uma qualquer consequência
O que deus terá visto nele para morrer por ele?
Oh que responsabilidade a sua
Que não dê como a árvore sobre a vida simples sombra
que faça mais do que crescer e ir perdendo vestes


Oh que difícil não é criar um homem para deus

 


domingo, 4 de abril de 2010

Semana "ANTÓNIO RAMOS ROSA" ( VII)


Poeta e ensaísta português, natural de Faro. Nasceu em 17 de Outubro de 1924. Quando a Segunda Guerra Mundial terminou, Ramos Rosa rumou a Lisboa. Na capital, trabalhou no comércio, actividade que logo abandonou para se dedicar à poesia. Também tradutor e ensaísta, escreveu dezenas de volumes de poesia. Recebeu numerosos prémios nacionais e estrangeiros, entre os quais o Prémio Pessoa, em 1988. É geralmente tido como um dos grandes poetas portugueses contemporâneos. Ramos Rosa, foi considerado o poeta do presente absoluto, da «liberdade livre”. É comparado com os grandes escritores nacionais. Urbano Tavares Rodrigues considerou-o como o empolgante poeta das coisas primordiais, da luz, da pedra e da água.

Para um amigo tenho sempre um relógio
esquecido em qualquer fundo da algibeira.
Mas esse relógio não marca o tempo inútil.
São restos de tabaco e de ternura rápida.
É um arco-íris de sombra, quente e trémulo.
É um copo de vinho com o meu sangue e o sol.

(de Viagem através duma Nebulosa, 1960)


sábado, 3 de abril de 2010

Semana "ANTÓNIO RAMOS ROSA" ( VI)


. Poeta e ensaísta português, natural de Faro. Nasceu em 17 de Outubro de 1924. Quando a Segunda Guerra Mundial terminou, Ramos Rosa rumou a Lisboa. Na capital, trabalhou no comércio, actividade que logo abandonou para se dedicar à poesia. Também tradutor e ensaísta, escreveu dezenas de volumes de poesia. Recebeu numerosos prémios nacionais e estrangeiros, entre os quais o Prémio Pessoa, em 1988. É geralmente tido como um dos grandes poetas portugueses contemporâneos. Ramos Rosa, foi considerado o poeta do presente absoluto, da «liberdade livre”. É comparado com os grandes escritores nacionais. Urbano Tavares Rodrigues considerou-o como o empolgante poeta das coisas primordiais, da luz, da pedra e da água.

Casa de sol onde os animais pensam
erguida nos ares com raízes na terra
ampla e pequena como um pagode
com salas nuas e baixas camas
casa de andorinhas e gatos nos sótãos
grande nau navegando imóvel
num mar de ócio e de nuvens brancas
com antigos ditados e flores picantes
com frescura de passado e pó de rebanhos
ó casa de sonos e silêncios tão longos
e de alegrias ruidosas e pães cheirosos
ó casa onde se dorme para se renascer
ó casa onde a pobreza resplende de fartura
onde a liberdade ri segura

(de Voz Inicial, 1960)



sexta-feira, 2 de abril de 2010

Semana "ANTÓNIO RAMOS ROSA" ( V)


Poeta e ensaísta português, natural de Faro. Nasceu em 17 de Outubro de 1924. Quando a Segunda Guerra Mundial terminou, Ramos Rosa rumou a Lisboa. Na capital, trabalhou no comércio, actividade que logo abandonou para se dedicar à poesia. Também tradutor e ensaísta, escreveu dezenas de volumes de poesia. Recebeu numerosos prémios nacionais e estrangeiros, entre os quais o Prémio Pessoa, em 1988. É geralmente tido como um dos grandes poetas portugueses contemporâneos. Ramos Rosa, foi considerado o poeta do presente absoluto, da «liberdade livre”. É comparado com os grandes escritores nacionais. Urbano Tavares Rodrigues considerou-o como o empolgante poeta das coisas primordiais, da luz, da pedra e da água.

Estou vivo e escrevo sol
Eu escrevo versos ao meio-dia
e a morte ao sol é uma cabeleira
que passa em fios frescos sobre a minha cara de vivo
Estou vivo e escrevo sol
Se as minhas lágrimas e os meus dentes cantam
no vazio fresco
é porque aboli todas as mentiras
e não sou mais que este momento puro
a coincidência perfeita
no acto de escrever e sol
A vertigem única da verdade em riste
a nulidade de todas as próximas paragens
navego para o cimo
tombo na claridade simples
e os objectos atiram suas faces
e na minha língua o sol trepida
Melhor que beber vinho é mais claro
ser no olhar o próprio olhar
a maravilha é este espaço aberto
a rua
um grito
a grande toalha do silêncio verde

(de Estou Vivo E Escrevo Sol, 1966)

quinta-feira, 1 de abril de 2010

Semana "ANTÓNIO RAMOS ROSA" ( IV)


Poeta e ensaísta português, natural de Faro. Nasceu em 17 de Outubro de 1924. Quando a Segunda Guerra Mundial terminou, Ramos Rosa rumou a Lisboa. Na capital, trabalhou no comércio, actividade que logo abandonou para se dedicar à poesia. Também tradutor e ensaísta, escreveu dezenas de volumes de poesia. Recebeu numerosos prémios nacionais e estrangeiros, entre os quais o Prémio Pessoa, em 1988. É geralmente tido como um dos grandes poetas portugueses contemporâneos. Ramos Rosa, foi considerado o poeta do presente absoluto, da «liberdade livre”. É comparado com os grandes escritores nacionais. Urbano Tavares Rodrigues considerou-o como o empolgante poeta das coisas primordiais, da luz, da pedra e da água.

No silêncio da terra
No silêncio da terra. Onde ser é estar.
A sombra se inclina.
Habito dentro da grande pedra de água e sol.
Respiro sem o saber, respiro a terra.
Um intervalo de suavidade ardente e longa.
Sem adormecer no sono verde.
Afundo-me, sereno,
flor ou folha sobre folha abrindo-se,
respirando-me, flectindo-me
no intervalo aberto. Não sei se principio.
Um rosto se desfaz, um sabor ao fundo
da água ou da terra,
o fogo único consumindo em ar.
Eis o lugar em que o centro se abre
ou a lisa permanência clara,
abandono igual ao puro ombro
em que nada se diz
e no silêncio se une a boca ao espaço.
Pedra harmoniosa
do abrigo simples,
lúcido, unido, silencioso umbigo
do ar.

o teu corpo
renasce
à flor da terra.
Tudo principia.


(de A Pedra Nua, 1972)