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quinta-feira, 9 de junho de 2011

Sonetos do Regresso



Volto contigo à terra da ilusão,
mas o lar de meus pais levou-o o vento
e se levou a pedra dos umbrais
o resto é esquecimento:
procurar o amor neste deserto
onde tudo me ensina a viver só
e a água do teu nome se desfaz
em sílabas de pó
é procurar a morte apenas,
o perfume daquelas
longínquas açucenas
abertas sobre o mundo como estrelas:
despenhar no meu sono de criança
inutilmente a chuva da lembrança.

II

Acordar, acender
o rápido lampejo
na água escusa onde rola submersa
como o lodo no Tejo
a vida informe, peso dúbio
desse cardume denso ou leve
que nasce em mim para morrer
no mar da noite breve;
dormir o pobre sono
dos barbitúricos piedosos
e acordar, acender
os tojos caudalosos
nesta areia lunar
ou, charcos, nunca mais voltar.

Carlos de Oliveira (1921-1981), in 'Cantata'

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Carta a Ângela

Para ti, meu amor, é cada sonho
de todas as palavras que escrever,
cada imagem de luz e de futuro,
cada dia dos dias que viver.

Os abismos das coisas, quem os nega,
se em nós abertos inda em nós persistem?
Quantas vezes os versos que te dou
na água dos teus olhos é que existem!

Quantas vezes chorando te alcancei
e em lágrimas de sombra nos perdemos!
As mesmas que contigo regressei
ao ritmo da vida que escolhemos!

Mais humana da terra dos caminhos
e mais certa, dos erros cometidos,
foste de novo, e sempre, a mão da esperança
nos meus versos errantes e perdidos.

Transpondo os versos vieste à minha vida
e um rio abriu-se onde era areia e dor.
Porque chegaste à hora prometida
aqui te deixo tudo, meu amor!

Carlos de Oliveira (1921-1981), in “Poesias”

sexta-feira, 3 de junho de 2011

Bolor

Os versos
que te digam
a pobreza que somos,
o bolor nas paredes
deste quarto deserto,
o orvalho da amargura
na flor
de cada sonho
e o leito desmanchado
o peito aberto
a que chamaste
amor.

Carlos de Oliveira, in “Poesias”