sábado, 26 de novembro de 2011

Adeus Português


Nos teus olhos altamente perigosos  
vigora ainda o mais rigoroso amor  
a luz dos ombros pura e a sombra  
duma angústia já purificada 
 
Não tu não podias ficar presa comigo  
à roda em que apodreço  
apodrecemos 
a esta pata ensanguentada que vacila  
quase medita 
e avança mugindo pelo túnel  
de uma velha dor 
 
Não podias ficar nesta cadeira  
onde passo o dia burocrático  
o dia-a-dia da miséria  
que sobe aos olhos vem às mãos  
aos sorrisos 
ao amor mal soletrado  
à estupidez ao desespero sem boca  
ao medo perfilado  
à alegria sonâmbula à vírgula maníaca  
do modo funcionário de viver 
 
Não podias ficar nesta casa comigo 
em trânsito mortal até ao dia sórdido  
canino 
policial 
até ao dia que não vem da promessa  
puríssima da madrugada  
mas da miséria de uma noite gerada  
por um dia igual 
 
Não podias ficar presa comigo 
à pequena dor que cada um de nós  
traz docemente pela mão  
a esta pequena dor à portuguesa  
tão mansa quase vegetal 
 
Mas tu não mereces esta cidade não mereces  
esta roda de náusea em que giramos  
até à idiotia 
esta pequena morte 
e o seu minucioso e porco ritual  
esta nossa razão absurda de ser 
 
Não tu és da cidade aventureira 
da cidade onde o amor encontra as suas ruas  
e o cemitério ardente  
da sua morte 
tu és da cidade onde vives por um fio  
de puro acaso 
onde morres ou vives não de asfixia  
mas às mãos de uma aventura de um comércio puro 
sem a moeda falsa do bem e do mal 
 
Nesta curva tão terna e lancinante 
que vai ser que já é o teu desaparecimento  
digo-te adeus  
e como um adolescente  
tropeço de ternura  
por ti 
 
                      Alexandre O'Neill

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