sábado, 8 de janeiro de 2011

Pelo Alto Alentejo - 1

Os homens desertaram destas terras.
Só um bacoco, a rufiar com a sombra,
só um bacoco, bolsado das tabernas,
em sete palmos, só, se reencontra.

Turistas fotografam cal e pedras:
o cubismo de casas e ruelas.
Nas soleiras sobraram umas velhas.
Escorre-lhes o preto pelas canelas.

Num caixote com rodas ,meigo tolo,
-um que não veio, aos ésses, lá das Franças,
passar com os velhotes as vacanças-
preso a um fio de cuspo, vende jogo.

Eu e a Teresa procuramos queijo.
O melhor que se traz do Alentejo.

in: "Entre a Cortina e a Vidraça" (1972)  


Alexandre O'Neill (1924–1986) Nasceu em Lisboa numa família com origens irlandesas. Frequentou a Escola Náutica, trabalhou na Previdência, no ramo dos seguros, nas bibliotecas itinerantes da Fundação Gulbenkian e foi técnico de publicidade. É um dos grandes poetas da língua portuguesa.
No ano de 1947 O'Neill, Cesariny e Mário Domingues começam a fazer experiências a nível da linguagem, na linha do surrealismo. Por volta de 1948, fundou com o poeta Cesariny, com José-Augusto França, António Pedro e Vespeira, o Grupo Surrealista de Lisboa. Este grupo acabou por se cindir em dois grupos que se tornaram rivais, digladiando-se em ataques mútuos. Mas, a feição surrealista manteve-se como um dos traços mais marcantes dos textos de O’Neill.
A sua poesia caracteriza-se por uma intensa sátira a Portugal e aos portugueses, à vida mesquinha do quotidiano, vista sem dramatismos, ironicamente relatada e comentada, numa alternância entre a constatação do absurdo da vida e o humor como melhor forma de a caricaturar. Este humor é, muitas vezes, manifestado numa linguagem que parodia os discursos estereotipados, oficiais ou publicitários, ou a própria organização social. Na sua linguagem integra o calão, a gíria, os lugares-comuns pequeno-burgueses, as onomatopeias e mesmo os neologismos que inventava com grande espontaneidade.

Sem comentários: