quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

É TALVEZ O ÚLTIMO DIA DA MINHA VIDA

É talvez o último dia da minha vida.
Saudei o Sol, levantando a mão direita,
Mas não o saudei, dizendo-lhe adeus,
Fiz sinal de gostar de o ver antes: mais nada.

Alberto Caeiro - Heterónimo de Fernando Pessoa (1888-1935).
Neste heterónimo F. Pessoa assume uma personalidade
anti-transcendental,anti-saudosista e anti-sentimental.
Escolhe intencionalmente o verso prosaicamente livre
e despojado de qualquer formalismo, procurando mostrar
como muito claramente se pode entender que:

"o único sentido oculto das coisas
É
elas não terem sentido oculto nenhum"

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

DIZEM DO MEU AMIGO QUE FEZ PESAR

Dizem do meu amigo que me fez pesar,
mas veio-me agora ele, amigas, rogar:
que me queria tanto prazer fazer
quanto o queria de mim receber.


Disseram-me, ai amigas, que me buscou mal,
mas veio-mo ele agora jurar jura tal:
que me queria tanto prazer fazer
quanto o queria de mim receber.


Soube estas novas e veio ante mim,
chorando, ai amigas, e jurou-me assim:
que me queria tanto prazer fazer
quanto o queria de mim receber.

Galisteu Fernades, trovador que viveu provavelmente no século XIII, do qual nada se sabe além de ser o autor desta belíssima cantiga de amigo.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

NÃO POSSO ADIAR O AMOR PARA OUTRO SÉCULO



Não posso adiar o amor para outro século
não posso
ainda que o grito sufoque na garganta
ainda que o ódio estale e crepite e arda
sob as montanhas cinzentas
e montanhas cinzentas

Não posso adiar este braço
que é uma arma de dois gumes

amor e ódio
não posso adiar
ainda que a noite pese séculos sobre as costas
e a aurora indecisa demore
não posso adiar para outro século a minha vida
nem o meu amor
nem o meu grito de libertação

Não posso adiar o coração.


António Ramos Rosa. Poeta e ensaísta português, natural de Faro. Nasceu em 17 de Outubro de 1924. Quando a Segunda Guerra Mundial terminou, Ramos Rosa rumou a Lisboa. Na capital, trabalhou no comércio, actividade que logo abandonou para se dedicar à poesia. Também tradutor e ensaísta, escreveu dezenas de volumes de poesia. Recebeu numerosos prémios nacionais e estrangeiros, entre os quais o Prémio Pessoa, em 1988. É geralmente tido como um dos grandes poetas portugueses contemporâneos.

Ramos Rosa, foi considerado o poeta do presente absoluto, da «liberdade livre.

É comparado com os grandes escritores nacionais. Urbano Tavares Rodrigues considerou-o como o empolgante poeta das coisas primordiais, da luz, da pedra e da água.

Deste seu poema, escreveu Maria Alzira Seixo - “Era estudante do liceu quando li este poema que me surgiu como a expressão de muitas coisas importantes: A vida inadiável, a luta contra o tempo, a afirmação da liberdade e do amor, a luta pela justiça. È um grito de humanidade e de superação que guardei sempre comigo.”


sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

ESTOU SÓ

Estou só
mas viajo no pensamento


E à minha cabeceira
a voz que escuto
é Fernando Pessoa que responde.


José João Craveirinha é uma das vozes maiores da literatura moçambicana. Este poeta da lusofonia que nasceu em Lourenço Marques em 28 de Maio de 1922 deixou como obras mais significativas, Chigubo (1964), Cântico a um dia de Catrane (1966), Karigana Ua Karigana (1974) e Cela 1 (1980) . Morreu em 2004. Neste pequeno mas significativo poema datado de Abril de 1967, presta homenagem ao génio inspirador de Pessoa.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

D. Dinis

Na noite escreve um seu Cantar de Amigo
O plantador das naus a haver,
E ouve um silêncio murmuro consigo:
É o rumor dos pinhais que, como um trigo
De Império, ondulam sem se poder ver.

Arroio esse cantar, jovem e puro,
Busca o oceano por achar;
e a fala dos pinhais, marulho obscuro,
É o som presente d'esse mar futuro,
É a voz da terra ansiando pelo mar.


Fernando Pessoa (1888-1935). Príncipe dos poetas portugueses. Irmão de Camões pela genialidade do seu canto. Figura primeira do modernismo literário, autor de uma multifacetada paleta de personalidades que se expressaram através dos heterónimos que inventou para dar a plenitude de uma inspiração que não cabia numa só forma de ser poeta.
Neste belo poema expressa de forma sibilina, a dimensão de um rei que, vendo para além do seu próprio tempo, realizou, no presente da sua acção de governante, o futuro que sonhou para o seu povo. Repare-se na definição total e lapidar do rei neste verso de significado antecipador :
O plantador das naus a haver, para ligar o acto de plantar pinhais que irão ser a naus que, um século depois, partirão pelo mar para dar novos mundos ao mundo.

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

PARTINDO-SE

Senhora, partem tão tristes
meus olhos por vós, meu bem,
que nunca tão tristes vistes
outros nenhuns por ninguém.

Tão tristes, tão saudosos
tão doentes da partida,
tão cansados, tão chorosos,
da morte mais desejosos
cem mil vezes que da vida.
Partem tão tristes os tristes,
tão fora de esperar bem,
que nunca tão tristes vistes
outros nenhuns por ninguém.


João Roiz de Castel-Branco, viveu no século XV, foi fidalgo da corte de D. João II e desempenhou as funções de contador na cidade da Guarda. Dele são conhecidas esta sua trova recolhida no Cancioneiro Geral e uma carta em verso sobre questões de ordem social e moral. Será efectivamente pouco. Mas, a amostra que deixou é de facto genial. Que harmonia, que beleza, que rigor formal e que inspiração encontramos neste pequeno (grande) poema, dos mais belos que encontramos já no fecho do período medieval mas ainda na tradição trovadoresca do amor.

domingo, 10 de janeiro de 2010

HOMENAGEM A RICARDO REIS

Ausentes são os deuses mas presidem.
Nós habitamos nessa
Transparência ambígua,

Seu pensamento emerge quando tudo
De súbito se torna
Solenemente exacto.

O seu olhar ensina o nosso olhar:
Nossa atenção ao mundo
É o culto que pedem.


Sophia de Mello Breyner Andresen (1919-2004), é um dos maiores poetas da língua portuguesa. A sua poesia tem de ser lida com atenta inteligência para que nela se apreenda toda a emoção que intenta transmitir. É um escrita úberima, telúrica que mergulha no mais profundo do nosso ser. Nasceu na cidade do Porto, veio para Lisboa onde frequentou Filologia Clássica na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, cidade onde viveu boa parte da sua vida.
Formalmente, a sua poesia é muito burilada apresentando por vezes um despojamento que só na aparência pode ser entendido como simplicidade, pois toda ela se tece numa tenção dramática entre a contemplação da natureza e um profundo e trágico sentido da vida.
Merece a todos os títulos, com toda a justiça, um lugar de grande destaque na poesia contemporânea portuguesa.



sábado, 9 de janeiro de 2010

AI FLORES, AI FLORES DO VERDE PINO

- Ai flores, ai flores do verde pino,
se sabedes novas do meu amigo,
Ai Deus, e u é?


- Ai flores, ai flores do verde ramo,
se sabedes novas do meu amado,
Ai Deus, e u é?

- Se sabedes novas do meu amigo,
aquele que mentiu do que pôs comigo.
Ai Deus, e u é?

- Se sabedes novas do meu amado,
aquele que mentiu do que m'á jurado.
Ai Deus, e u é?

-Vós me perguntades polo voss'amigo,
e eu ben vos digo que é san' e vivo.
Ai Deus, e u é?

-Vós me perguntades polo voss'amado,
e eu ben vos digo que é viv' e sano.
Ai Deus, e u é?

-E eu ben vos digo que é san' e vivo,
e será vosc' ant'o prazo saído.
Ai Deus, e u é?

- E eu ben vos digo que é viv' e sano,
e será vosc' ant'o prazo passado.
Ai Deus, e u é?

Este belo poema pertence à categoria dos "cantares de amigo" muito usados na Idade Média e que pareciam destinar-se a serem cantados para acompanhar as danças. Tendo um pendor acentuadamente popular, foram também escritos por poetas mais eruditos, como é o caso de D. Dinis, 5º rei de Portugal, que viveu entre 1261 e 1325. Para além da sua beleza poética, tem ainda o valor de ser das primeiras composições escritas em português, pois, no século XIII, os documentos ou eram escritos em latim ou em galaico-português.
O nosso rei D. Dinis parece ter herdado a veia poética de seu avô Afonso X de Castela, também ele poeta e homem de grande cultura.

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Regresso

De novo na origem, berço onde me criei.
Onde estão as pessoas que povoaram a minha infância?
Como estão mudadas as ruas e as casas!
A minha memória não coincide com o que vejo.
Já não sou daqui.
Todos me olham como o forasteiro em que me tornei,
Peregrino em busca de um passado de que encontro escassos vestígios.
Melhor... assim posso recordar sem ter que partilhar.
Estar só é uma boa maneira de voltar no tempo.
Vou tentar voltar pelos caminhos da memória,
Percorrendo estas ruas que já mal conheço.