O que é preciso é gente
gente com dente
gente que tenha dente
que mostre o dente
Gente que seja decente
nem docente
nem docemente
nem delicodocemente
Gente com mente
com sã mente
que sinta que não mente
que sinta o dente são e a mente
Gente que enterre o dente
que fira de unhas e dente
e mostre o dente potente
ao prepotente
O que é preciso é gente
que atire fora com essa gente
Ana Hatherly
quarta-feira, 28 de maio de 2008
terça-feira, 27 de maio de 2008
[PARA SER GRANDE, SÊ INTEIRO: NADA]
Para ser grande, sê inteiro: nada
Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda
Brilha, porque alta vive.
Ricardo Reis
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda
Brilha, porque alta vive.
Ricardo Reis
segunda-feira, 26 de maio de 2008
Quero acabar entre rosas, porque as amei na infância.
Os crisântemos de depois, desfolhei-os a frio.
Falem pouco, devagar.
Que eu não oiça, sobretudo com o pensamento.
O que quis? Tenho as mãos vazias,
Crispadas flebilmente sobre a colcha longínqua.
O que pensei? Tenho a boca seca, abstracta.
O que vivi? Era tão bom dormir!
Álvaro de Campos
Os crisântemos de depois, desfolhei-os a frio.
Falem pouco, devagar.
Que eu não oiça, sobretudo com o pensamento.
O que quis? Tenho as mãos vazias,
Crispadas flebilmente sobre a colcha longínqua.
O que pensei? Tenho a boca seca, abstracta.
O que vivi? Era tão bom dormir!
Álvaro de Campos
domingo, 25 de maio de 2008
CIDADE
Na cidade, quem olha para o céu?
- É preciso que passe um avião...
Quem me dera o silêncio, a solidão,
Onde pudesse, alguma vez, ser eu!
Na cidade nasci; nela nasceu
A minha dispersiva inquietação;
E o meu tumultuoso coração
Tem o pulsar caótico de seu.
Ah! quem me dera, em vez da gasolina,
O cheiro da terra húmida, a resina,
A flores do campo, a leite, a maresia!
Em vez da fria luz que me alumia,
O luar, sobre o mar, em tremulina...
- Divina mão compondo uma poesia.
Carlos Queiroz
- É preciso que passe um avião...
Quem me dera o silêncio, a solidão,
Onde pudesse, alguma vez, ser eu!
Na cidade nasci; nela nasceu
A minha dispersiva inquietação;
E o meu tumultuoso coração
Tem o pulsar caótico de seu.
Ah! quem me dera, em vez da gasolina,
O cheiro da terra húmida, a resina,
A flores do campo, a leite, a maresia!
Em vez da fria luz que me alumia,
O luar, sobre o mar, em tremulina...
- Divina mão compondo uma poesia.
Carlos Queiroz
sábado, 24 de maio de 2008
IMPROVISO
Aos ventos que passavam,
Por não poder com elas
Atirei um punhado de palavras.
Se rápidas voavam,
Depressa regressavam
E tombavam
Como no céu, às vezes, as estrelas,
Ou pétalas de flor no chão.
E o meu poema, os ventos o dirão...
José Régio
Por não poder com elas
Atirei um punhado de palavras.
Se rápidas voavam,
Depressa regressavam
E tombavam
Como no céu, às vezes, as estrelas,
Ou pétalas de flor no chão.
E o meu poema, os ventos o dirão...
José Régio
sexta-feira, 23 de maio de 2008
ESPERANÇA
O poema quer nascer das trevas.
Está nas palavras, e não as sei.
É como um filho que não tem caminho
No ventre da mãe.
Dói,
Dói,
Mas a negar-se teimosamente
A todos os acenos libertadores
Do desespero dilacerado.
No silêncio cansado
E paciente
Canta um galo vidente.
E diz que cada dia
Que anuncia
É sempre um dia novo
De renovo
E poesia.
Miguel Torga
Está nas palavras, e não as sei.
É como um filho que não tem caminho
No ventre da mãe.
Dói,
Dói,
Mas a negar-se teimosamente
A todos os acenos libertadores
Do desespero dilacerado.
No silêncio cansado
E paciente
Canta um galo vidente.
E diz que cada dia
Que anuncia
É sempre um dia novo
De renovo
E poesia.
Miguel Torga
quinta-feira, 22 de maio de 2008
DILETANTEMENTE
este caso
por acaso
concordante
com o atraso
dilatado
doutro caso
foi a causa
doutra coisa
discordante
duma outra
arrelia
massacrante
Faustino Martins
por acaso
concordante
com o atraso
dilatado
doutro caso
foi a causa
doutra coisa
discordante
duma outra
arrelia
massacrante
Faustino Martins
quarta-feira, 21 de maio de 2008
GESTOS
Lentamente
aproximou a mão.
Colheu um fruto.
Com gestos ancestrais
retirou-lhe a casca.
Levou-o à boca,
enquanto a língua
pesava o gosto
maduro e denso.
Tudo fazia sentido.
Tudo estava certo.
Como um saber
antigo,
exacto.
Faustino Martins
aproximou a mão.
Colheu um fruto.
Com gestos ancestrais
retirou-lhe a casca.
Levou-o à boca,
enquanto a língua
pesava o gosto
maduro e denso.
Tudo fazia sentido.
Tudo estava certo.
Como um saber
antigo,
exacto.
Faustino Martins
terça-feira, 20 de maio de 2008
PRIMEIRO POEMA
Sem horizonte ou lua,
sem vento nem bandeira.
L. von Maaske
A palavra, vida inteira, mata.
O seu silêncio não fala nem cala: ri.
Sem antes, nem depois, nem agora.
É o infindável que fala.
Não o ouças: ouve-o.
Oh, falar sem ouvir,
como ri o riso
pleno dos mortos,
os meus e os teus mortos
debaixo de nós.
Manuel António Pina (1943)
sem vento nem bandeira.
L. von Maaske
A palavra, vida inteira, mata.
O seu silêncio não fala nem cala: ri.
Sem antes, nem depois, nem agora.
É o infindável que fala.
Não o ouças: ouve-o.
Oh, falar sem ouvir,
como ri o riso
pleno dos mortos,
os meus e os teus mortos
debaixo de nós.
Manuel António Pina (1943)
segunda-feira, 19 de maio de 2008
CANÇÃO
Sol nulo dos dias vãos,
Cheios de lida e de calma,
Aquece ao menos as mãos
A quem não entras na alma!
Que ao menos a mão, roçando
A mão que por ela passe,
Com externo calor brando
O frio da alma disfarce!
Senhor, já que dor é nossa
E a fraqueza que ela tem,
Dá-nos ao menos a força
De a não mostrar a ninguém!
Fernando Pessoa
Cheios de lida e de calma,
Aquece ao menos as mãos
A quem não entras na alma!
Que ao menos a mão, roçando
A mão que por ela passe,
Com externo calor brando
O frio da alma disfarce!
Senhor, já que dor é nossa
E a fraqueza que ela tem,
Dá-nos ao menos a força
De a não mostrar a ninguém!
Fernando Pessoa
domingo, 18 de maio de 2008
AS ÁRVORES E OS LIVROS
As árvores como os livros têm folhas
e margens lisas ou recortadas,
e capas (isto é copas) e capítulos
de flores e letras de oiro nas lombadas.
E são histórias de reis, histórias de fadas,
as mais fantásticas aventuras,
que se podem ler nas suas páginas,
no pecíolo, no limbo, nas nervuras.
Jorge Sousa Braga (Herbário – 1957)
e margens lisas ou recortadas,
e capas (isto é copas) e capítulos
de flores e letras de oiro nas lombadas.
E são histórias de reis, histórias de fadas,
as mais fantásticas aventuras,
que se podem ler nas suas páginas,
no pecíolo, no limbo, nas nervuras.
Jorge Sousa Braga (Herbário – 1957)
sábado, 17 de maio de 2008
PROVINCIANAS
Mas nem tudo são descantes
Por esses longos caminhos,
Entre favais palpitantes
Há solos bravos, maninhos,
Que expulsam seus habitantes!
É nesta quadra d’amores
Que emigram os jornaleiros,
Ganhões e trabalhadores!
Passam clãs de forasteiros
Nas terras de lavradores.
Tal como existem mercados
Ou feiras, semanalmente,
Para comprarmos os gados,
Assim há praças de gente
Pelos domingos calados!
Cesário Verde
Por esses longos caminhos,
Entre favais palpitantes
Há solos bravos, maninhos,
Que expulsam seus habitantes!
É nesta quadra d’amores
Que emigram os jornaleiros,
Ganhões e trabalhadores!
Passam clãs de forasteiros
Nas terras de lavradores.
Tal como existem mercados
Ou feiras, semanalmente,
Para comprarmos os gados,
Assim há praças de gente
Pelos domingos calados!
Cesário Verde
sexta-feira, 16 de maio de 2008
AUTOPSICOGRAFIA
O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.
E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.
Fernando Pessoa
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.
E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.
Fernando Pessoa
quinta-feira, 15 de maio de 2008
O VIANDANTE
Trago notícias da fome
que corre nos campos tristes:
soltou-se a fúria do vento
e tu, miséria, persistes.
Tristes notícias vos dou:
Caíram espigas da haste,
foi-se o galope do vento
e tu, miséria, ficaste.
Foi-se a noite, foi-se o dia,
fugiu a cor às estrelas:
e, estrela nos campos tristes,
só tu, miséria, nos velas.
Carlos de Oliveira
que corre nos campos tristes:
soltou-se a fúria do vento
e tu, miséria, persistes.
Tristes notícias vos dou:
Caíram espigas da haste,
foi-se o galope do vento
e tu, miséria, ficaste.
Foi-se a noite, foi-se o dia,
fugiu a cor às estrelas:
e, estrela nos campos tristes,
só tu, miséria, nos velas.
Carlos de Oliveira
quarta-feira, 14 de maio de 2008
À MÚSICA
Melodia, melodia …
Como é simples e tu vens!
Como nasces da harmonia
Das formas que nunca tens!
Como vive a eternidade
Na fugidia presença
Da tua realidade
Irreal logo à nascença!
Não se vê quem te levanta
Nem quem tece o teu destino;
Mas alguém te desencanta,
Te revela e te faz hino
Do nosso amor, melodia!
Vai cantando!
Vai passando e vai durando,
Asa branca deste dia!
Miguel Torga
Como é simples e tu vens!
Como nasces da harmonia
Das formas que nunca tens!
Como vive a eternidade
Na fugidia presença
Da tua realidade
Irreal logo à nascença!
Não se vê quem te levanta
Nem quem tece o teu destino;
Mas alguém te desencanta,
Te revela e te faz hino
Do nosso amor, melodia!
Vai cantando!
Vai passando e vai durando,
Asa branca deste dia!
Miguel Torga
À MÚSICA
Melodia, melodia …
Como é simples e tu vens!
Como nasces da harmonia
Das formas que nunca tens!
Como vive a eternidade
Na fugidia presença
Da tua realidade
Irreal logo à nascença!
Não se vê quem te levanta
Nem quem tece o teu destino;
Mas alguém te desencanta,
Te revela e te faz hino
Do nosso amor, melodia!
Vai cantando!
Vai passando e vai durando,
Asa branca deste dia!
Miguel Torga
Como é simples e tu vens!
Como nasces da harmonia
Das formas que nunca tens!
Como vive a eternidade
Na fugidia presença
Da tua realidade
Irreal logo à nascença!
Não se vê quem te levanta
Nem quem tece o teu destino;
Mas alguém te desencanta,
Te revela e te faz hino
Do nosso amor, melodia!
Vai cantando!
Vai passando e vai durando,
Asa branca deste dia!
Miguel Torga
terça-feira, 13 de maio de 2008
A PEDRA
A pedra é bela, opaca,
peso-a gostosamente como um pão.
É escura, baça, terrosa, avermelhada,
polvilhada de cinza.
Contemplo-a: é evidente, impenetrável,
preciosa.
António Ramos Rosa
peso-a gostosamente como um pão.
É escura, baça, terrosa, avermelhada,
polvilhada de cinza.
Contemplo-a: é evidente, impenetrável,
preciosa.
António Ramos Rosa
segunda-feira, 12 de maio de 2008
QUANDO
Quando o meu corpo apodrecer e eu for morta
Continuará o jardim, o céu e o mar,
E como hoje igualmente hão-de bailar
As quatro estações à minha porta.
Outros em Abril passarão no pomar
Em que tantas vezes passei,
Haverá longos poentes sobre o mar,
Outros amarão as coisas que eu amei.
Será o mesmo brilho a mesma festa,
Será o mesmo jardim à minha porta,
E os cabelos doirados da floresta,
Como se eu não estivesse morta.
Sophia de Mello Breyner Andresen
Continuará o jardim, o céu e o mar,
E como hoje igualmente hão-de bailar
As quatro estações à minha porta.
Outros em Abril passarão no pomar
Em que tantas vezes passei,
Haverá longos poentes sobre o mar,
Outros amarão as coisas que eu amei.
Será o mesmo brilho a mesma festa,
Será o mesmo jardim à minha porta,
E os cabelos doirados da floresta,
Como se eu não estivesse morta.
Sophia de Mello Breyner Andresen
domingo, 11 de maio de 2008
NAVEGAÇÃO SEGURA
Quando a ternura
parece já do seu ofício fatigada,
e o sono, a mais incerta barca,
inda demora,
quando azuis irrompem
os teus olhos
e procuram
nos meus navegação segura,
é que eu te falo das palavras
desamparadas e desertas,
pelo silêncio fascinadas.
Eugénio de Andrade
parece já do seu ofício fatigada,
e o sono, a mais incerta barca,
inda demora,
quando azuis irrompem
os teus olhos
e procuram
nos meus navegação segura,
é que eu te falo das palavras
desamparadas e desertas,
pelo silêncio fascinadas.
Eugénio de Andrade
quinta-feira, 8 de maio de 2008
SE EU PUDESSE BEBER-TE
Se eu pudesse beber-te, ó noite,
Até encontrar o teu gosto,
Ou mordendo a ponta do açoite
Da tua treva no meu rosto,
Achasse a planície de lume
De que és uma aresta de estrelas
E sonhando sem peso e volume
Fosse um sonho de chão a tecê-las
E na praia de um trilo sem flauta,
Instrumento das harpas do fundo
Duma água escorrida da pauta
Da manhã mais antiga do mundo,
Me estendesses, ó noite florida
Das sementes que trazes no punho,
Uma adolescência impelida
Pelo arco das brisas de Junho!
Natália Correia
Até encontrar o teu gosto,
Ou mordendo a ponta do açoite
Da tua treva no meu rosto,
Achasse a planície de lume
De que és uma aresta de estrelas
E sonhando sem peso e volume
Fosse um sonho de chão a tecê-las
E na praia de um trilo sem flauta,
Instrumento das harpas do fundo
Duma água escorrida da pauta
Da manhã mais antiga do mundo,
Me estendesses, ó noite florida
Das sementes que trazes no punho,
Uma adolescência impelida
Pelo arco das brisas de Junho!
Natália Correia
quarta-feira, 7 de maio de 2008
E TUDO ERA POSSÍVEL
Na minha juventude antes de ter saído
de casa de meus pais disposto a viajar
eu conhecia já o rebentar do mar
das páginas dos livros que já tinha lido
Chegava o mês de maio era tudo florido
o rolo das manhãs punha-se a circular
e era só ouvir o sonhador falar
da vida como se ela tivesse acontecido
E tudo se passava numa outra vida
e havia para as coisas sempre uma saída
Quando foi isso? Eu próprio não sei dizer
Só sei que tinha o poder duma criança
entre as coisas e mim havia vizinhança
e tudo era possível era só querer
Ruy Belo
de casa de meus pais disposto a viajar
eu conhecia já o rebentar do mar
das páginas dos livros que já tinha lido
Chegava o mês de maio era tudo florido
o rolo das manhãs punha-se a circular
e era só ouvir o sonhador falar
da vida como se ela tivesse acontecido
E tudo se passava numa outra vida
e havia para as coisas sempre uma saída
Quando foi isso? Eu próprio não sei dizer
Só sei que tinha o poder duma criança
entre as coisas e mim havia vizinhança
e tudo era possível era só querer
Ruy Belo
terça-feira, 6 de maio de 2008
LETREIRO
Porque não sei mentir,
Não vos engano:
Nasci subversivo.
A começar por mim - meu principal motivo
De insatisfação -,
Diante de qualquer adoração,
Ajuízo.
Não me sei conformar.
E saio, antes de entrar,
De cada paraíso.
Miguel Torga
Não vos engano:
Nasci subversivo.
A começar por mim - meu principal motivo
De insatisfação -,
Diante de qualquer adoração,
Ajuízo.
Não me sei conformar.
E saio, antes de entrar,
De cada paraíso.
Miguel Torga
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