domingo, 30 de janeiro de 2011

PARA SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN

Vejo-te sempre vertical num apogeu azul
em que celebras as coisas e pronuncias os nomes
com a claridade das cúpulas e das evidências solares
Em ímpetos claros vais figurando o cristal
que dos actos transferes para as palavras límpidas
(…)
És o dia a claridade do dia dominado
e de cimo em declive és o oriente amanhecendo
Frágil é o teu poder? Frágil e perfeitíssimo
(…)

António Ramos Rosa


Sophia de Mello Breyner Andresen é, sem sombra de dúvida, um dos maiores poetas portugueses contemporâneos – um nome que se transformou, em sinónimo de Poesia e de musa da própria poesia. Nasceu no Porto, em 1919, no seio de uma família aristocrática. Faleceu em  Lisboa, em 2 de Julho de 2004

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Porque

Porque os outros se mascaram mas tu não
Porque os outros usam a virtude
Para comprar o que não tem perdão.
Porque os outros têm medo mas tu não.
 
Porque os outros são os túmulos caiados
Onde germina calada a podridão.
Porque os outros se calam mas tu não.
 
Porque os outros se compram e se vendem
E os seus gestos dão sempre dividendo.
Porque os outros são hábeis mas tu não.
 
Porque os outros vão à sombra dos abrigos
E tu vais de mãos dadas com os perigos.
Porque os outros calculam mas tu não.
 
 
“No Tempo  Dividido e  Mar Novo”, Edições Salamandra, 1985, p. 79 

Sophia de Mello Breyner Andresen é, sem sombra de dúvida, um dos maiores poetas portugueses contemporâneos – um nome que se transformou, em sinónimo de Poesia e de musa da própria poesia. Nasceu no Porto, em 1919, no seio de uma família aristocrática. Faleceu em  Lisboa, em 2 de Julho de 2004

domingo, 23 de janeiro de 2011

Urgentemente

É urgente o Amor,
É urgente um barco no mar.

É urgente destruir certas palavras
ódio, solidão e crueldade,
alguns lamentos,
muitas espadas.

É urgente inventar alegria,
multiplicar os beijos, as searas,
é urgente descobrir rosas e rios
e manhãs claras.

Cai o silêncio nos ombros,
e a luz impura até doer.
É urgente o amor,
É urgente permanecer.

Eugénio de Andrade, pseudónimo de José Fontinhas, nasceu na Póvoa de Atalaia, Fundão, em 19 de Janeiro de 1923 — faleceu no Porto, em 13 de Junho de 2005 foi um grande poeta poetas português.

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Sophia

Da lusitana antiga fidalguia
um dizer claro e justo e franco
uma concreta e certa geometria
uma estética do branco
debruado de azul.

Sua escrita é de nau e singradura
e há nela o mar o mapa a maravilha.

Sophia lê-se como quem procura
a ilha sempre mais ao sul.

 
Manuel Alegre


Sophia de Mello Breyner Andresen é, sem sombra de dúvida, um dos maiores poetas portugueses contemporâneos – um nome que se transformou, em sinónimo de Poesia e de musa da própria poesia. Nasceu no Porto, em 1919, no seio de uma família aristocrática. Faleceu em  Lisboa, em 2 de Julho de 2004


segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Urgentemente

É urgente o Amor,
É urgente um barco no mar.

É urgente destruir certas palavras
ódio, solidão e crueldade,
alguns lamentos,
muitas espadas.

É urgente inventar alegria,
multiplicar os beijos, as searas,
é urgente descobrir rosas e rios
e manhãs claras.

Cai o silêncio nos ombros,
e a luz impura até doer.
É urgente o amor, 
É urgente permanecer.
                     Eugénio de Andrade

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Carta a Ângela



Para ti, meu amor, é cada sonho
de todas as palavras que escrever,
cada imagem de luz e de futuro,
cada dia dos dias que viver.

Os abismos das coisas, quem os nega,
se em nós abertos inda em nós persistem?
Quantas vezes os versos que te dou
na água dos teus olhos é que existem!

Quantas vezes chorando te alcancei
e em lágrimas de sombra nos perdemos!
As mesmas que contigo regressei
ao ritmo da vida que escolhemos!

Mais humana da terra dos caminhos
e mais certa, dos erros cometidos,
foste de novo, e sempre, a mão da esperança
nos meus versos errantes e perdidos.

Transpondo os versos vieste à minha vida
e um rio abriu-se onde era areia e dor.
Porque chegaste à hora prometida
aqui te deixo tudo, meu amor!

(In  Poesias)


 
Carlos de Oliveira – Nasceu no Brasil, em Belém do Pará, em 10 de Agosto de 1921. Filho de imigrantes portugueses, veio aos dois anos para Portugal. Fixou-se em Cantanhede, mais precisamente na vila de Febres, onde o pai exercia Medicina. Ingressou na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra em 1941. Terminou a licenciatura em Ciências Histórico-Filosófias em 1947. Durante esse período o seu primeiro livro de poemas Turismo, em 1942, em 1943 publicou o seu primeiro romance, Casa na Duna, em 1944, o romance Alcateia, em 1945 publica um novo livro de poesias, Mãe Pobre. Instalou-se definitivamente em Lisboa, no ano seguinte à licenciatura. Em 1953 publica Uma Abelha na Chuva, o seu quarto romance, unanimemente reconhecido como uma das mais importantes obras da literatura portuguesa, que Fernão Lopes transpôs para o filme homónimo terminado em 1971. Em 1968 publica dois novos livros de poesia, Sobre o Lado Esquerdo e Micropaisagem. Publicou em 1971 O Aprendiz de Feiticeiro, colectânea de crónicas e artigos, e Entre Duas Memórias, livro de poemas, pelo qual lhe é atribuído no ano seguinte o Prémio de Imprensa. Em 1976 reúniu toda a sua poesia em Trabalho Poético. Publica em 1978 o seu último romance Finisterra, obra que lhe proporciona a atribuição do Prémio Cidade de Lisboa, no ano seguinte.
Morreu na sua casa em Lisboa a 1 de Julho de 1981, com 60 anos incompletos.

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Pelo Alto Alentejo - 2

Meto butes á inteira planura.
Esboroa-se a terra. Lá pra trás,
sobraram o paleio e a literatura.
Aqui, na aparência, só a paz.

Mas que paz se desdobra a toda a anchura
do horizonte a que o olhar se faz?
Esta página em branco(ou sem leitura)
não terá uma chave por detrás?

Eu sei ler a cidade, mas, aqui,
sou um dedo parado em letra morta.
Uma guerra haverá, como o álibi
da paisagem que a outras me transporta.

Hei-de voltar pra ler e presumir,
quando Alentejo se puser a rir ...

in: "Entre a Cortina e a Vidraça" (1972)


Alexandre O'Neill (1924–1986) Nasceu em Lisboa numa família com origens irlandesas. Frequentou a Escola Náutica, trabalhou na Previdência, no ramo dos seguros, nas bibliotecas itinerantes da Fundação Gulbenkian e foi técnico de publicidade. É um dos grandes poetas da língua portuguesa.
No ano de 1947 O'Neill, Cesariny e Mário Domingues começam a fazer experiências a nível da linguagem, na linha do surrealismo. Por volta de 1948, fundou com o poeta Cesariny, com José-Augusto França, António Pedro e Vespeira, o Grupo Surrealista de Lisboa. Este grupo acabou por se cindir em dois grupos que se tornaram rivais, digladiando-se em ataques mútuos. Mas, a feição surrealista manteve-se como um dos traços mais marcantes dos textos de O’Neill.
A sua poesia caracteriza-se por uma intensa sátira a Portugal e aos portugueses, à vida mesquinha do quotidiano, vista sem dramatismos, ironicamente relatada e comentada, numa alternância entre a constatação do absurdo da vida e o humor como melhor forma de a caricaturar. Este humor é, muitas vezes, manifestado numa linguagem que parodia os discursos estereotipados, oficiais ou publicitários, ou a própria organização social. Na sua linguagem integra o calão, a gíria, os lugares-comuns pequeno-burgueses, as onomatopeias e mesmo os neologismos que inventava com grande espontaneidade.

sábado, 8 de janeiro de 2011

Pelo Alto Alentejo - 1

Os homens desertaram destas terras.
Só um bacoco, a rufiar com a sombra,
só um bacoco, bolsado das tabernas,
em sete palmos, só, se reencontra.

Turistas fotografam cal e pedras:
o cubismo de casas e ruelas.
Nas soleiras sobraram umas velhas.
Escorre-lhes o preto pelas canelas.

Num caixote com rodas ,meigo tolo,
-um que não veio, aos ésses, lá das Franças,
passar com os velhotes as vacanças-
preso a um fio de cuspo, vende jogo.

Eu e a Teresa procuramos queijo.
O melhor que se traz do Alentejo.

in: "Entre a Cortina e a Vidraça" (1972)  


Alexandre O'Neill (1924–1986) Nasceu em Lisboa numa família com origens irlandesas. Frequentou a Escola Náutica, trabalhou na Previdência, no ramo dos seguros, nas bibliotecas itinerantes da Fundação Gulbenkian e foi técnico de publicidade. É um dos grandes poetas da língua portuguesa.
No ano de 1947 O'Neill, Cesariny e Mário Domingues começam a fazer experiências a nível da linguagem, na linha do surrealismo. Por volta de 1948, fundou com o poeta Cesariny, com José-Augusto França, António Pedro e Vespeira, o Grupo Surrealista de Lisboa. Este grupo acabou por se cindir em dois grupos que se tornaram rivais, digladiando-se em ataques mútuos. Mas, a feição surrealista manteve-se como um dos traços mais marcantes dos textos de O’Neill.
A sua poesia caracteriza-se por uma intensa sátira a Portugal e aos portugueses, à vida mesquinha do quotidiano, vista sem dramatismos, ironicamente relatada e comentada, numa alternância entre a constatação do absurdo da vida e o humor como melhor forma de a caricaturar. Este humor é, muitas vezes, manifestado numa linguagem que parodia os discursos estereotipados, oficiais ou publicitários, ou a própria organização social. Na sua linguagem integra o calão, a gíria, os lugares-comuns pequeno-burgueses, as onomatopeias e mesmo os neologismos que inventava com grande espontaneidade.

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Claridade dada pelo tempo - IV

Simples como é
a claridade é a coisa
mais difícil de encontrar
talvez porque a distância que nos
separa longa muito longa
e nítida
seja a torre de chumbo do nosso
próprio isolamento
talvez porque sentir
o aparecimento da madrugada
seja a origem do desespero
sombra    trópico    lâmina
entre nós dois
 
ouve o que te digo
não esqueças os meus lábios
mesmo quando desfeitos
e a claridade
essa não a procures    não    nunca
deixa-a ir comigo
até ao esgotamento do meu sangue
até ao limite
do meu corpo em carne viva

In O Surrealismo na Poesia Portuguesa, 
organização, prefácio e notas de Natália Correia
2ª edição, frenesi, 2002

MÁRIO-HENRIQUE LEIRIA, autor surrealista português,
 nasceu em Lisboa, 2 de Janeiro de 1923 
 e morreu em Cascais, 9 de Janeiro de 1980.


domingo, 2 de janeiro de 2011

Os Amigos


 No
regresso encontrei aqueles
que haviam estendido o sedento corpo
sobre infindáveis areias

tinham os gestos lentos das feras amansadas
e o mar iluminava-lhes as máscaras
esculpidas pelo dedo errante da noite

prendiam sóis nos cabelos entrançados
lentamente
moldavam o rosto lívido como um osso
mas estavam vivos quando lhes toquei
depois
a solidão transformou-os de novo em dor
e nenhum quis pernoitar na respiração
do lume

ofereci-lhes mel e ensinei-os a escutar
a flor que murcha no estremecer da luz
levei-os comigo
até onde o perfume insensato de um poema
os transmudou em remota e resignada ausência

Al Berto (1948-1997) frequentou diversos cursos de artes plásticas, em Portugal e em Bruxelas, onde viveu até 1967.  A partir de 1971 dedicou-se exclusivamente à literatura. A sua poesia retomou, de algum modo, a herança surrealista, fundindo o real e o imaginário. Está presente, frequentemente, uma particular atenção ao quotidiano como momento de ligação entre um tempo histórico e um tempo individual. Por vezes, os seus textos apresentam uma ambiguidade entre a poesia e a prosa.