terça-feira, 30 de junho de 2009

Sophia de Mello Breyner Andresen - "In memoriam"

Nasceu a 6 de Novembro de 1919 na cidade do Porto e faleceu a 2 de Julho de 2004, esta poetisa que, durante cerca de sessenta anos, marcou de forma tão notável a literatura portuguesa. Poetisa se intitulou sempre, ao contrário de outras que se apelidaram de poetas, assim no masculino. Ela quis sempre sublinhar que a sua poesia emergia da sua matricial condição de mulher.

Cinco anos depois, a sua voz, como profeticamente anunciara, ressoa através dos versos que deixou:

O poema me levará no tempo
Quando eu já não for eu
E passarei sozinha
Entre as mãos de quem me lê

O poema alguém o dirá
Às searas

Sua passagem se confundirá
Como rumor do mar com o passar do vento

O poema habitará
O espaço mais concreto e mais atento

No ar claro nas tardes transparentes
Suas sílabas redondas

(Ó antigas ó longas
Eternas tardes lisas)

Mesmo que eu morra o poema encontrará
Uma praia onde quebrar as suas ondas

E entre quatro paredes densas
De funda e devorada solidão
Alguém seu próprio ser confundirá
Com o poema no tempo

In "Livro Sexto"

domingo, 21 de junho de 2009

Do valor do disparate

Afirma com energia o disparate que quiseres, e acabarás por encontrar quem acredite em ti

Vergílio Ferreira (1916-1996)

.

Esta afirmação é dita por confirmação de uma realidade. De facto, se há muitos sempre dispostos a afirmarem-se e atingirem o que desejam sem olharem aos meios, há também sempre outros tantos dispostos a acreditarem nos disparates que lhes impingem por mais absurdos que eles sejam. Principalmente neste tempo em que o disparate campeia e em que dominam os que já nem sabem em que consiste dizer a verdade.

Tantos e tão poderosos são os oportunistas, tantos são os tolos que os sustentam, que os homens de carácter quase têm de viver dissimulados numa semi-clandestinidade.

Que tempos estes e que estranhos costumes se instalaram na nossa sociedade.

quarta-feira, 17 de junho de 2009

"Politeia" e Política

A política é talvez a única profissão para a qual se pensa que não é precisa nenhuma preparação
Robert-Louis Stevenson (1850-1894)

A política nasceu concebida como uma missão dos cidadãos que assumiam o encargo de contribuir para a boa gestão das suas comunidades. Assim foi no tempo em que, na Grécia Antiga, a Polis era o modelo de Estado onde se ensaiaram as primeiras experiências de governo em democracia. Se política teve como primeiro significado ser o governo da Polis (Politeia), democracia (democratia) significava o governo pelo Demos, ou seja, o povo.
Depois vieram os primeiros que fizeram da política uma profissão. Porque na sua acção já nada havia de missão, estes foram denominados de demagogos, os que enganam, ou iludem o povo pela arte do discurso.
Transformando a missão de servir o povo na arte de se servirem do povo, estes demagogos mataram a Polis, acabaram com a política no seu sentido original e provocaram a decadência e o fim de uma das mais cultas e humanizadas civilizações que já existiram à face da Terra: a Civilização Helénica.
Hoje chamamos política a uma coisa que nada tem a ver com o governo democrático de Atenas, cidade farol da civilização antiga dos gregos.

domingo, 14 de junho de 2009

O Homem e a Natureza

"O sofrimento é a lei de ferro da natureza"

Eurípides (480 - 406 a. C.)


Eurípides que viveu na cidade de Atenas, na Grécia Antiga, há mais de mil e quinhentos anos, não podia sequer imaginar que o homem, guiado pela sua desmedida ambição, mais do que pela necessidade de garantir o seu bem-estar e sobrevivência, inverteria completamente o sentido da frase que ele escreveu numa das suas geniais tragédias.

Sim, porque o que hoje acontece é que o homem sujeita a natureza a sofrer tais atentados ao seu equilíbrio, impõe-lhe tais alterações através do poder que criou com o seu conhecimento desumanizado das coisas, que existe mesmo o perigo real de poder ser a sobrevivência da natureza que venha a estar ameaçada, pondo em risco a vida do próprio homem.

Assim, hoje, são as leis de ferro que o homem impõe que causam o sofrimento da natureza.

quinta-feira, 11 de junho de 2009

A ingratidão prepotente do presente

Se serviste a pátria que vos foi ingrata, vós fizestes o que devíeis, ela o que costuma
Padre António Vieira (1608-1697)
.
.
Esta habitual ingratidão é mais dos homens que detêm o poder de decisão do que propriamente das pátrias. Porque, enquanto os poderosos actuam apenas no presente, a pátria, porque intemporal, acaba por reconhecer o mérito. Muitas vezes é apenas uma questão de tempo. Desvanecidas as arrogâncias dos prepotentes, a História baseia a sua avaliação na durabilidade e projecção que os feitos têm no futuro. Os que agem movidos apenas pela intenção de tornarem o mundo melhor e mais habitável, acabam por serem reconhecidos pelo mérito dos seus actos. Pena que, em grande parte dos casos, não puderam ter em vida esse reconhecimento.
Mas há uma certa justiça histórica que prevalece.
Tomemos como exemplo Camões: em vida tão incompreendido e tão desprezado. Mas, que juízo faz da sua obra e pessoa a História e que juízo faz do arrogante e alucinado jovem D. Sebastião que tão altiva e estupidamente desprezou a homenagem e conselho que Luís de Camões com a sua obra lhe prestava?
Camões morreu de pobreza e do esquecimento e desprezo a que foi votado.
Isto escrito um dia depois do dia que leva o seu nome e que se tornou nome de pátria: diz-se dia de Camões simbolizando que é o dia de Portugal que se pretende comemorar. E os escritores da lusofonia recebem como honra máxima o prémio que leva o seu nome.
.
O Nobel escritor da língua pátria, José Saramago escreveu este
.
Epitáfio para Luís de Camões
.
Que sabemos de ti, se versos só deixaste,
Que lembrança ficou no mundo que tiveste?
Do nascer ao morrer ganhaste os dias todos,
Ou perderam-te a vida os versos que fizeste?

terça-feira, 9 de junho de 2009

Sem comentário

Um político pensa nas próximas eleições; um estadista nas próximas gerações.
Noel Clarasó (1905-1985)

Não dá para comentar. É tão denso o significado da frase que, perante ela, apenas podemos constatar a verdade absoluta que nela se contém.

sexta-feira, 5 de junho de 2009

Cobardia e violência

Quando não se possa escolher senão entre a cobardia e violência, aconselharei a violência

Mahatma Gandhi (1869 - 1948)


Para os que possa ler distraidamente a frase, pode acontecer que, atentando apenas nas palavras finais, sintam alguma perplexidade. Pois, como pode esse grande paladino da resistência pacífica, esse lutador que, durante todas as lutas que travou - e tantas e tão árduas elas foram - sempre usou como arma a passividade e recomendou o não recurso aos métodos violentos que não se respondesse aos golpes com golpes e aos insultos com insultos, venha agora dizer: "aconselharei a violência"?

É preciso fazer uma leitura crítica da frase. Nela não se contrapõe a violência à enorme coragem dos que lutam não respondendo aos ataques, às injustiças, às acções que visam a humilhação da sua dignidade e a ofensa da sua condição de pessoas, com actos semelhantes aos dos seus agressores.

"Quando não se possa escolher", se estiver em risco a nossa segurança, a nossa integridade física, a nossa dignidade moral, então não devemos acobardarmos e, se outra forma de luta não for possível, então só nos restará opor à violência a própria violência para evitar que a prepotência esmague os nossos direitos ou os direitos daqueles que entendemos que temos o dever de proteger.

A atitude dos que pacifica e derminadamente se opõem aos abusos e às prepotências, nunca pode degenerar em cobardia. Só a coragem de lutar garante a defesa dos nossos direitos. Para vencermos na luta contra a injustiça, se outro meio não for possível, podemos ter de recorrer ao uso da violência.


segunda-feira, 1 de junho de 2009

Prazer e Felicidade


O egoísmo pode tornar-nos felizes durante uma hora ou um dia, mas faz-nos desditosos durante a vida inteira.
Paolo Montegazza (1831-1910)

Não concordo com este dito porque me parece conter uma sabedoria mais aparente do que real. Porque, na verdade o egoísmo não conduz à felicidade mas ao prazer e felicidade e prazer são coisas tão distintas que nunca se devem confundir.
O prazer é insaciável pois que, logo que alcançamos algum já estamos a pretender alcançar mais. A busca do prazer é por condição egocêntrica porque busca apenas a auto-satisfação. Mesmo quando esse prazer é partilhado, não é prazer dos outros que constitui o meu objectivo, pois o que eu busco é a satisfação do meu próprio prazer. Ainda que, masoquistamente, para o alcançar me submeta à dor ou qualquer outra forma de me penalizar.
A felicidade pressupõe a tranquilidade e esta só se alcança pelo equilíbrio que provém da satisfação com o que se tem e que se é, sem a insatisfação de sempre necessitar de se alcançar o que não se tem. E isto não exclui o esforço para continuamente melhorar.
Só pela tranquilidade da minha consciência, obtenho o equilíbrio moral. Só pelo equilíbrio entre as minhas necessidades e os meus desejos, alcanço a tranquilidade de que resulta do meu bem-estar. Só a constante atenção ao bem-estar dos outros me evita o remorso que advém de lhes ter negado auxílio ou de os ter sacrificado aos meus interesses.